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'Vantagem de Lula é saber ouvir'

OESP, Caderno Especial, p. X18
31 de Dez de 2003

'Vantagem de Lula é saber ouvir'
No balanço do presidente da Vale, Roger Agnelli, 1o ano do governo Lula é uma surpresa positiva

Carlos Franco

O presidente da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Roger Agnelli, passa 12 horas por dia fazendo contas e tomando decisões com impacto nos resultados da companhia. A Vale faturou, entre janeiro e setembro, R$ 7,4 bilhões, com lucro líquido de R$ 3,7 bilhões no período, ante R$ 502 milhões de janeiro a setembro de 2002. Na ponta do lápis, esse economista formado pela Fundação Armando Álvares Penteado em 1981, que, antes, passou pelas cadeiras do tradicional Colégio Rio Branco, diz que o saldo do primeiro ano do governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva é positivo, tanto quanto o da companhia.
Na sua avaliação, o governo Lula encerra 2003 "com um enorme ganho de credibilidade ao executar políticas interna e externa que irão abrir caminho para o desenvolvimento e o crescimento de forma sustentada".
Na conta favorável ao governo, Agnelli destaca a aprovação das reformas da Previdência e tributária, a estabilidade das regras cambiais, a redução das taxas de juros e o controle da inflação. E o emprego e os compromissos sociais de Lula em campanha? "Sem uma política rigorosa de combate à inflação e controle dos gastos, qualquer ganho correria o risco de se perder rapidamente", diz, apostando que, a partir de agora, o emprego poderá surgir de forma sustentada, assim como o crescimento. "Aposto em crescimento de 3% a 4% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2004. É um ano que pode surpreender, favoravelmente."
O economista, de 44 anos, entrou para os quadros do Bradesco ao concluir a faculdade e assumiu o comando da Vale em maio de 2000, empresa na qual a Bradesco Participações (Bradespar) é o maior acionista individual.
Palmeirense, Agnelli fez carreira no Bradesco, onde Lázaro Brandão o apelidou de "menino do café", por participar de reuniões de diretoria do banco quando ainda era muito jovem e ter se tornado o mais novo diretor da instituição financeira sediada na Cidade de Deus, em Osasco, aos 38 anos.
Para Agnelli, os investimentos da Vale de janeiro a setembro, totalizando US$ 1,5 bilhão, e as exportações, somando US$ 2,7 bilhões, são o melhor exemplo de que "Lula trouxe confiança a investidores e ao mercado". Ele prevê encerrar o ano com investimento de US$ 2 bilhões, que deve se repetir em 2004 e 2005. Na semana do Natal, ele comemorava o fato de a Vale estar cotada nas Bolsas a US$ 21 bilhões, a cotação mais alta em 61 anos de história da empresa que nasceu estatal na era Vargas e foi privatizada no governo Fernando Henrique Cardoso.
Estado - Como o senhor avalia o primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva? Ele o surpreendeu?
Roger Agnelli - Se olharmos o que significa a eleição de Lula, veremos o quanto foi positiva. A democracia está fortalecida. A Constituição, respeitada. O novo governo respeita as leis e os contratos. Há ainda muito a fazer, falta regulamentações. Há contradições. Mas ninguém parece ter dúvidas de que o governo Lula foi uma surpresa positiva. Por isso, os mercados reagiram rápida e positivamente a seus atos de governo, todos pautados no respeito à lei e aos contratos. Se olharmos para trás e virmos o Lula e o PT, muitos poderiam não acreditar no que estão vendo hoje. Havia quem imaginava que o Brasil fosse acabar. Que os contratos não fossem ser respeitados, que a dívida interna e externa não fosse honrada. O Brasil, no entanto, não acabou. Melhorou. Hoje, eu diria sem medo de errar, que há muito mais credibilidade e confiança no ar. Melhor ainda: há uma forte expectativa de que poderemos e vamos crescer nos próximos anos. Eu não tenho também a menor dúvida de que o clima de confiança continuará sustentando o crescimento no próximo e nos próximos anos.
Estado - A que o senhor atribui esta confiança?
Agnelli - Há um clima de responsabilidade fiscal e política. Há uma preocupação por parte do governo de buscar o acerto em todas as áreas. Há mais ainda, em relação ao passado: a grande vantagem do diálogo. O presidente Lula sabe ouvir. Ele é sensível aos pleitos da sociedade, e fala com clareza o que pensa e o que acha. Não há, ao contrário do que muitos temiam, surpresa. As reformas da Previdência e tributária, por exemplo, foram apresentada pelo governo com rapidez e votadas pelo Congresso no mesmo ano. E outras reformas deverão vir, o que ajuda a manter esse clima de otimismo. Elas (as reformas) abrem caminho para a continuidade desse ambiente positivo. E tudo isso se completa com a redução dos juros em função justamente desse clima de confiança no governo, das suas atitudes firmes na condução macroeconômica. Além disso, o governo Lula soube dar a importância devida e ter o cuidado necessário para que a inflação não retomasse o fôlego. Ela já foi domada. É isso que motiva os investimentos e cria essa clima de confiança.
Estado - A Vale investiu quanto este ano?
Agnelli - De janeiro a setembro, foram US$ 1,5 bilhão e vamos encerrar o ano com investimento de US$ 2 bilhões, que vai se manter em 2004 e em 2005, dentro do nosso projeto de globalização, de maior presença no mercado mundial. Este é mais um sinal de que Lula trouxe confiança a investidores e ao mercado porque temos tido boa aceitação no mercado externo, não há desconfiança em relação ao Brasil. É certo que corremos um risco enorme em investir naquele momento de início de um novo governo, mas hoje podemos encerrar o ano com a certeza de que os investimentos foram corretos e estão dando resultado. Outras empresas estão investindo e vão investir ainda mais daqui para frente porque o clima de credibilidade deve continuar a existir.
A Vale, por exemplo, continuará investindo, apostando no seu crescimento e no do País.
Estado - Isso quer dizer que a Vale continuará a investir?
Agnelli - O projeto da Vale, que deve investir US$ 6 bilhões nos próximos quatro anos, é chegar em 2010 ao seleto grupo das três maiores empresas diversificadas de mineração do mundo, ao lado de BHP Billington e Anglo American. Hoje, estamos entre as cinco maiores mineradoras e continuaremos investindo para sermos uma empresa brasileira e global.
Estado - O senhor está no comando de uma das maiores empresas de mineração do mundo e está feliz e surpreso positivamente com o governo Lula. Mas será que ele não frustrou aqueles trabalhadores a quem prometeu crescimento e emprego neste primeiro ano de governo, durante a campanha eleitoral?
Agnelli - Sem uma política rigorosa de controle da inflação e dos gastos, qualquer ganho em crescimento e emprego correria o risco de se perder rapidamente. Não se sustentaria, como vimos acontecer várias vezes no passado. Nós estamos muito melhores que estávamos há 12 meses. Temos que aplaudir o governo Lula, que foi de muita responsabilidade, muito rigor neste primeiro ano. Foi certamente um ano duro porque foi exigida uma atitude dura. O País estava numa situação muito complicada. Você tinha que optar: ou olhava para o longo prazo ou olhava para o curto prazo. A visão de longo prazo exigia a estabilidade das regras, do câmbio flutuante, o respeito e manutenção dos contratos. Resultado: a parte macroeconômica está muito bem. Os fundamentos são sólidos. Por isso, os investimentos externos estão voltando, os juros caindo. Todo o empresariado tem uma perspectiva muito boa para 2004. Se para alguns Lula era o fim do Brasil, isso não ter acontecido já é um ganho enorme para o País e para a sociedade. Ninguém duvida que o emprego é um desafio, e muitos esperam um emprego nas filas, mas sem uma estrutura macroeconômica definida, forte, você não teria como criar condições para a criação de empregos de forma sustentada. Seria o mesmo que empregar hoje para demitir amanhã. Não tenho dúvidas de que este é um problema a ser enfrentado, de preferência com urgência. Mas é preciso entender que, hoje, estamos muito melhores e muito mais confiantes no futuro do que estávamos no final do ano passado, antes da posse de Lula.
Estado - Apesar desse otimismo, o senhor mesmo diz que ainda há problemas a serem enfrentados.
Agnelli - Existem alguns problemas de regulamentação, ajustes que devem ser feitos. A vantagem, repito, é que esse governo escuta. Acho que a sociedade, incluindo as empresas, tem participado mais do que no passado. E o governo tem ciência dos problemas a serem enfrentados em áreas como meio ambiente, energia e transporte. A área de transportes, por exemplo, estava completamente abandonada. Existe hoje um déficit enorme em transporte e o País para crescer precisa resolver esse problema. No caso da energia, os problemas não são menos graves. É preciso solucionar de forma mais rápida e eficaz as questões ambientais. Mas acho normal que o governo leve um certo tempo para discutir estas questões. Elas são complexas e há muitos pontos e interesses contraditórios. A demora, porém, passa a ser positiva quando se tem a certeza de que o governo está tentando acertar e não criar novos problemas.
Estado - A Vale tem projetos na área de energia. O modelo do setor elétrico foi motivo de polêmica, o senhor o aprova?
Agnelli - O mais importante é que, agora, temos um modelo. Um ponto de partida para discutir, o que antes não havia. É natural que ocorram críticas, mas o mais importante é que agora temos um marco, um ponto de partida até para avaliar as críticas e os acertos, procurando contribuir para que o governo acerte ao regulamentar o setor.
Estado - E as reformas? O que falta para manter esse clima de otimismo, de queda do risco Brasil?
Agnelli - Passou a reforma da Previdência, a tributária, agora a trabalhista está vindo aí e já se começa a falar da reforma política. O importante é que o governo está encarando os problemas de frente, não está jogando esses problemas para debaixo do tapete. Eles estão aí. É com a reforma trabalhista que você terá como criar novos empregos. É com a reforma política que você consolidará ainda mais a democracia. No conjunto, todas são essenciais para a percepção do Brasil, tanto aqui como no exterior. Agora, não há dúvidas de que o emprego é um desafio enorme, a ser enfrentado com mais velocidade, assim como os investimentos em infra-estrutura.
Estado - Os projetos de Parcerias Público-Privadas (PPP) seriam uma alternativa para criar novos empregos e, ao mesmo tempo, solucionar problemas de infra-estrutura?
Agnelli - As parcerias são uma alternativa. Mas é preciso ter projetos. O custo de capital é fundamental, mas não é o essencial. O que se tem que ter para que os investimentos em infra-estrutura saiam do papel é estabilidade de regras. É a visão de longo prazo que faz com que os investimentos nessa áreas ocorram. É preciso também que o governo tire rapidamente todos os entraves da frente para que esses projetos venham a se realizar. Se você tiver bons projetos, num ambiente macroeconômico estável, com regras estáveis, o dinheiro rende. Os empregos são criados e, depois, mantidos. O problema em muitos casos não é de dinheiro, mas de estabilidade de regras.
Precisamos ter simplificação nas regras. O problema da energia, por exemplo, não afeta apenas o setor de mineração, mas diversas e diferentes cadeias produtivas. O governo precisa atacar a questão do meio ambiente, senão teremos problemas em breve, já enfrentamos um apagão. A sorte é que, tenho certeza, o governo Lula está muito consciente e determinado a corrigir esses problemas. Até porque sabe que isso irá se traduzir em empregos, em crescimento.

OESP, 31/12/2003, Caderno Especial, p. X 18

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