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Vamos terminar o Rodoanel

Veja SP, p.14-15
18 de Jan de 2006

Vamos terminar o Rodoanel
Picuinhas ambientais atrasam o início de novos trechos da obra

Sandra Soares

Considerado o mais importante projeto de infra-estrutura do país há pelo menos vinte anos, o Rodoanel, via expressa com 178 quilômetros de extensão que interligará três rodovias federais e sete estaduais na região metropolitana de São Paulo, é capaz de aliviar as ruas e avenidas paulistanas de milhares de veículos diariamente. Um ganho e tanto para uma cidade com problemas de trânsito que beiram o insuportável. Seria razoável supor, então, que todos os esforços estivessem concentrados para que a obra andasse o mais rápido possível. Não é o que acontece. Por causa de pressões e picuinhas de ONGs que trabalham em defesa do meio ambiente - ou pelo menos se apresentam como tal -, não existe previsão de quando os trechos norte, sul e leste (veja mapa) sairão do papel. É quase inacreditável. Há mais de um ano, a Dersa, empresa responsável pela construção do anel viário, tenta obter a licença ambiental necessária para dar início à licitação do trecho sul, o mais importante de toda a obra. Orçados em 2,5 bilhões de reais, seus 57 quilômetros cruzariam as rodovias dos Imigrantes e Anchieta e permitiriam o escoamento de cargas para o Porto de Santos. Há mais de duas semanas, o governo do estado entrou com uma ação contra a suspensão da última audiência pública do caso, que seria realizada em 21 de dezembro, mas foi cancelada pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal.

Os promotores alegam que faltam estudos sobre o impacto do trecho oeste do Rodoanel, inaugurado em 2002, em duas aldeias próximas ao Pico do Jaraguá. Isso mesmo: enquanto não for analisada a situação de 280 índios guaranis que ali vivem, a obra do trecho sul - que, direta ou indiretamente, melhoraria a vida dos quase 18 milhões de moradores da Grande São Paulo - está comprometida. O mais incrível é que tais aldeias se localizam a 40 quilômetros de onde a nova estrada seria construída. Esse estudo foi exigido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Encarregada de zelar pela defesa das comunidades indígenas no país, a Fundação Nacional do Índio (Funai) havia liberado o estado para entregar o levantamento posteriormente. No dia 6, o Ibama reviu sua decisão e passou a concordar com a Funai. A mudança de posição, no entanto, não surtiu efeito. Até a última quinta-feira, o Ministério Público mantinha-se intransigente na idéia de bloquear tudo. "Por causa dessa pendência, não podemos nem marcar a licitação", diz o secretário estadual dos Transportes, Dario Rais Lopes. Até o fim do ano passado, técnicos da Dersa falavam em concluir a última das quatro etapas do projeto em 2020. Com o imbróglio, não há previsão de quando a obra ficará pronta. "O licenciamento ambiental vem sendo pautado por exageros", afirma Paulo Nogueira Neto, professor emérito do Instituto de Biologia da USP e um dos mais respeitados defensores do meio ambiente no Brasil. "Se a obra traz danos, assegura também ganhos à causa verde."

O papel do Rodoanel é estratégico para São Paulo. Do 1,1 milhão de veículos que chegam à capital todos os dias, 300.000 estão apenas de passagem. Se não precisassem cruzar as marginais, a cidade ganharia com a melhora da qualidade do ar e com a diminuição de acidentes e atropelamentos. Há ainda vantagens econômicas. "A lentidão no transporte de carga encarece os custos de distribuição em 30%", aponta Antonio Wrobleski Filho, presidente da subsidiária brasileira da Ryder, multinacional do setor de logística. Esse custo se reflete no preço final dos produtos. Segundo Wrobleski, a velocidade média de caminhões nas estradas dos Estados Unidos é de 85 quilômetros por hora. Nas brasileiras, é de 50 quilômetros por hora. Dentro da cidade de São Paulo, é de apenas 30. Empresas que utilizam o trecho oeste do anel viário registram redução considerável em seus gastos. A Companhia Brasileira de Distribuição (que atende às redes Pão de Açúcar, Extra, CompreBem e Sendas, entre outras), por exemplo, viu cair em 25% a duração das viagens de 8% de sua frota. Hoje, o volume médio de tráfego diário no Rodoanel é de 92 000 veículos, dos quais 19.000 são caminhões. Dados da CET indicam que o trânsito de cargas nas marginais Tietê e Pinheiros diminuiu 20% após a inauguração do trecho oeste. Benefícios que poderiam ser maiores caso ONGs e o Ministério Público pensassem, antes de mais nada, no interesse de todos os paulistanos.

Obras do Rodoanel

As obras do Rodoanel, mais importante projeto de infra-estrutura do país, estão paradas até que o governo estadual consiga uma licença ambiental, exigida pelo Ministério Público Federal. Favorável à continuação das obras, o executivo Antonio Wrobleski Filho ressalta a importância do projeto para a economia. Já a arquiteta Marussia Whately, de um instituto ambientalista, chama a atenção para a conservação do entorno do traçado da rodovia, cujo trecho sul passará por regiões de mananciais.
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Opiniões divergentes
O Rodoanel sob condições

Marussia Whately, arquiteta e coordenadora do Instituto Socioambiental

A polêmica sobre o trecho sul do Rodoanel - obra em licenciamento na Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo e pelo Ibama - não recai sobre se a rodovia deve ou não ser construída.

O que se defende é a adoção pelo governo estadual de um projeto que evite sua construção sobre as fontes de água da cidade de São Paulo, que são escassas e já estão no limite máximo da degradação ambiental. E a alternativa de construir outras represas leva tempo, custa muito caro, e causa enormes danos ambientais e sociais na região a ser alagada.
Invariavelmente, uma rodovia como o Rodoanel terá impactos ambientais onde quer que seja construída. O dilema é enorme. Caso se mantenha a opção atual, de construir o Rodoanel no entorno da Guarapiranga e da Billings, é fundamental adotar algumas medidas que encontram forte resistência do governo: avaliar impactos ao longo dos rios que chegam às represas; corrigir os danos ambientais concomitantemente às obras, diferente do que foi feito no trecho oeste, inaugurado em 2002, e que ainda não corrigiu os danos ambientais; ampliar as áreas de parque - estudo conjunto da Prefeitura de São Paulo e o Instituto Socioambiental propõe a criação de um parque linear de 300 metros ao longo de todo o traçado; rever custos de manutenção da rodovia em função da enorme pressão que será exercida pelos diversos núcleos urbanos precários da região; e, finalmente, uma legislação que proíba construir novos acessos além daqueles previstos no projeto.
Durante o processo de licenciamento, licitações e construção - que é longo - recomenda-se adotar ações de curto prazo que podem aliviar o trânsito e melhorar a qualidade de vida dos paulistanos, como a restrição de circulação de caminhões, semelhante ao rodízio de veículos, que pode ser feita imediatamente.
A cidade de São Paulo precisa resolver a questão do trânsito, mas não pode perder as fontes de água para seus 10 milhões de habitantes e atividades econômicas. As áreas de mananciais são um patrimônio de valor inestimável do qual não se pode abrir mão. O Instituto Socioambiental acredita que a implantação desta rodovia não pode passar por cima da qualidade da água que as pessoas bebem e convida a todos a refletir sobre o mote: desenvolvimento sim, de qualquer jeito não! Mais informações podem ser obtidas no site www.socioambiental.org.

União para o desenvolvimento

Antonio Wrobleski Filho, presidente da subsidiária brasileira da Ryder LogísticaR
A construção do Rodoanel é, atualmente, a principal obra na área de infra-estrutura do Brasil. O projeto, aprovado por especialistas e fundamentado em iniciativas semelhantes que funcionam no exterior, pretende tirar das ruas da região metropolitana de São Paulo cerca de 123 mil caminhões, 18 mil ônibus e 585 mil automóveis. Seu impacto econômico direto será uma economia de mais de R$ 2 bilhões/anuais em combustível e tempo de transporte. Haverá redução de 6% na emissão de monóxido de carbono e 8% em hidrocarburetos na região metropolitana.

Com a finalização do trecho sul - em conjunto com o oeste -, a obra reduzirá imediatamente 43% do tráfego de caminhões na Marginal Pinheiros e 37% na Avenida dos Bandeirantes. Essa nova etapa vai alcançar as rodovias Anchieta e Imigrantes, principal acesso ao porto de Santos - maior da América Latina - e vai potencializar o mais importante corredor de exportação e importação do país.

E os benefícios não são restritos aos habitantes e empresas locais. Por essa região passa a maioria dos produtos, incluindo bens para a indústria e consumidor, que são distribuídos pelo país. O trânsito caótico eleva em 30% o custo da logística de transporte. Adivinhe quem paga a conta? Essa mesma dificuldade inflaciona os custos das exportações e afunda a competitividade da indústria nacional.

Não é inteligente sequer cogitar a paralisação dessa obra. Se existem questões ambientais - que devem ser igualmente consideradas - não resolvidas, os envolvidos devem, em conjunto, encontrar uma solução. A questão não pode se transformar em disputa, deve haver cooperação em busca do objetivo comum que é o desenvolvimento sustentado do país. O Brasil, e todos os brasileiros, não merecem perder mais essa oportunidade de crescimento por conta de egos, intransigência e política.

Veja SP, 18/01/2006, p. 14-15

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