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Vale do Javari: Lideranças indígenas desocupam sede da Funai em Atalaia do Norte, no Amazonas

Amazônia Real (Manaus - AM) - www.amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
23 de Fev de 2016

Após 34 dias de protesto, as lideranças das etnias Matís, Marubo, Kanamari e Mayuruna desocuparam na tarde desta terça-feira (23) a sede da Coordenação Regional (CR) Vale do Javari da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Atalaia do Norte, no Amazonas. Eles reivindicam a exoneração do Bruno Pereira e melhorias na segurança, além do monitoramento das aldeias na Terra Indígena Vale do Javari para evitar conflitos com os índios isolados da etnia Korubo.

Mais de 100 índios participaram da ocupação, que iniciou no dia 19 de janeiro. Segundo um dos líderes do protesto, o indígena Marcelo Marke Turu Matís, de 30 anos, as reivindicações ainda não foram cumpridas pela Funai, mas a desocupação do prédio começou a ser negociada o presidente do órgão João Pedro Gonçalves por telefone a partir do dia 15 de fevereiro. "Ele exigia a desocupação da sede até o dia 21 de fevereiro, no domingo. Desocupamos hoje [23] com a chegada de um documento assinado pelo João Pedro confirmando sua viagem para Atalaia", disse.

Marke Matís disse que o fim do protesto foi marcado com uma reunião em que as lideranças não usaram mais os cocares, adereços e nem as lanças e flechas, que predominaram a manifestação. Ele afirmou que as chaves do prédio foram entregues aos vigias da Funai por volta das 17h, encerrando a ocupação. Nesta quarta-feira (24), conforme o indígena, as chaves serão entregues formalmente ao coordenador substituto da Funai, Manoel de Nazaré Ribeiro Júnior.

"Nós negociamos com o João Pedro para desocupar a Funai. Ele falou que quando chegar aqui no dia 2 de março vai exonerar o Bruno", afirmou Marke Matís, informando a data em que o presidente da Funai se comprometeu em viajar para Atalaia do Norte para se reunir com as lideranças.

Segundo ele, a proposta é que Bruno Pereira seja substituído por um nome indígena. As lideranças também querem a exoneração de Beto Marubo, atual coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari. Os nomes cotados para assumir os cargos são Darcy Marubo, Manoel Chorimpa e Beaux Matís.

Nós estamos pensando no nosso futuro. Não queremos tirar um branco e colocar um branco de novo. O branco é nosso amigo hoje, amanhã está falando mal de ti. Se a gente colocar um índio, é mais fácil a gente tirar, se ele fizer coisa errada. Queremos a exoneração do Beto Marubo também. Ele desrespeitou os Matís também. Tem a cabeça igual do branco", disse Marke Matís.

Procurada pela Amazônia Real, a assessoria de imprensa da Funai, em Brasília, não confirmou a exoneração do coordenador regional Bruno Pereira. Disse que desconhecia o pedido de afastamento do servidor Beto Marubo.

"O que o presidente [João Pedro Gonçalves] falou ao grupo foi que está aberto a dialogar e a construir um processo de substituição na Coordenação Regional Vale do Javari, mas que só fará essa discussão, inclusive de nomes, após a desocupação e, ainda, que irá ouvir todas as comunidades atendidas pela Coordenação Regional [CR] nesse processo. A ida do presidente à região depende da desocupação da CR, o que não ocorreu até o momento", disse a Funai em nota enviada à reportagem por volta das 16h (15 h em Atalaia do Norte), portanto, antes do final da desocupação.

Ao avaliar os 34 dias de protestos, o líder Marke Matís disse que as lideranças deixam a ocupação unidas. "Quando chegar a confirmação da exoneração [do Bruno], nós vamos comemorar, mas [enquanto isso] vamos ficar de vigília até a chegada do João Pedro", disse Marke Matís.

A reportagem procurou duas lideranças envolvidas no protesto para comentar o fim da ocupação, Clóvis Marubo e Jorge Marubo. "Avaliamos que nesse protesto ficou claro que a saída do Bruno Pereira é determinante para não tornar a situação do Vale do Javari mais crítica. O presidente João Pedro Gonçalves disse que vem tratar da saída do Bruno e dos problemas no Vale do Javari. Se ele quebrar esse acordo, vai ficar muito feio para o João Pedro", afirmou Clóvis Marubo, da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari).

Jorge Marubo disse que com fim do protesto, muitas lideranças agora estão se organizando para a chegada do presidente da Funai no dia 2 de março. Ele afirmou que ao menos 200 lideranças estarão em Atalaia do Norte na ocasião.

"O que sabemos é que Bruno Pereira viajou para Recife (PE). Então agora estamos organizando a vinda do João Pedro para ouvir as nossas reivindicações no dia 2 de março. Mas, o movimento continua ativo até o fim da negociação", afirmou Jorge Marubo.

Conflito foi uma das causas do protesto

O protesto das lideranças Matís, Marubo, Kanamari e Mayuruna foi resultado da tensão na Terra Indígena Vale do Javari. Em 2014, dois índios Matís e de ao menos oito Korubo morreram no conflito interétnico.

Para Marke Matís, os Korubo do rio Coari seriam os responsáveis pelas mortes de duas lideranças Matís, seus tios Damë e Ivã Xukurutá, em 5 de dezembro de 2014. O que estaria por trás do ataque, segundo ele, seria uma disputa por mulheres entre os próprios Korubo, um deles conhecido como grupo da Mayá, contatado em 1996, mas que hoje está em permanente contato com servidores da Funai.

A Funai diz que o foco do conflito é uma disputa territorial entre os Matís e Korubo. Doenças e a mudança de uma aldeia Matís para uma área próxima do território Korubo teriam contribuído com a tensão.

A Terra Indígena Vale do Javari tem mais de 8,4 milhões de hectares onde vivem 4,5 mil índios de contato permanente, entre eles os Matís, Marubo, Mayuruna e Kanamary, e dois grupos de recente contato, os Korubo, além de 16 grupos isolados, sem contato com a sociedade nacional não indígena. Leia a entrevista especial.

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