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Vai mal o ânimo dos empresários para a sustentabilidade

O Globo, Amanhã, p. 20-21
Autor: LEAL, Guilherme
04 de Set de 2012

'Vai mal o ânimo dos empresários para a sustentabilidade'
Executivo admite que a crise econômica mundial abalou a vontade de muitos de seus colegas que apostavam em iniciativas para a construção de uma sociedade melhor

Guilherme Leal
Empresário, copresidente do Conselho da Natura

Amelia Gonzalez
amelia@oglobo.com.br

Guilherme Leal joga a cabeça para trás, cruza os braços e respira profundamente antes de responder à pergunta sobre o real envolvimento de seus colegas empresários, hoje, no movimento de sustentabilidade. Com o gestual, deixa claro seu desconforto não com o tema, que abraça e apoia desde que ajudou a criar o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social em 1998, mas com o que tem sido feito dele no mundo corporativo. Atual copresidente do Conselho de Administração da Natura, Leal admite que a crise econômica mundial tirou o ânimo de muitos de seus colegas que apostavam em iniciativas para a construção de uma sociedade sustentável. Para ele, os empresários brasileiros ainda não descobriram as oportunidades que o risco oferece.

Qual o momento hoje, pós Rio+20, das empresas em relação ao movimento da sustentabilidade?

Vai mal o ânimo do empresariado brasileiro para criar uma sociedade sustentável. Assim com vai mal o ânimo do Estado para criar o arcabouço institucional para que isso aconteça. Uma das proposições é que a crise econômica reduz mesmo, é capaz de tirar o ânimo dos empresários, com raras exceções daqueles que investem de fato na inovação. A Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável, convocada pela ONU, que aconteceu em junho na cidade, expressou isso.

A Conferência foi uma frustração?

Não teve grandes frustrações porque já não se esperava nada mesmo. Foi diferente em Copenhague (na Conferência das Partes, COP-15, em 2009), quando havia grandes expectativas.Esperava-se muito da atuação de Obama. Agora no Rio, em termos governamentais, já não se esperava nada, até porque o mundo hoje está sem líderes. Quem são os líderes do mundo hoje? Ficamos um pouco decepcionados com a ausência da Ângela Merkel, da Alemanha. O texto final da Conferência refletiu isso. Ele está cheio de propostas pífias, como a criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável com metas para 2015; o fato de não se querer jogar fora o princípio da responsabilidade diferenciada ... quase nada.

Um dos autores que estuda a sustentabilidade, Anthony Giddens, credita ao caráter anódino do movimento a descrença de muitos. O fenômeno seria mais ou menos assim: por que eu vou me preocupar com as gerações futuras se tenho mais com o que me preocupar com o que acontece hoje? Seria isso?

É difícil explicar, não sei se tem só uma causa. O que tem sido dito também é que a sociedade hoje está muito mercadizada, ou seja, tudo é mercado, tudo tem valor de dinheiro. Isso é sério também. E tem o desejo de consumo das classes emergentes. Até as pessoas perceberem, por exemplo, que o carrinho que compraram, mesmo sendo barato e em várias prestações, vai ficar mais parado do que andando por causa dos engarrafamentos, vai demorar alguns anos. Mas um dia a ficha vai cair e essas pessoas vão perceber que vão precisar cobrar transporte público como já cobraram educação. Isso tudo é um processo. As novas gerações estão mudando, as crianças de agora já têm a cabeça um pouco diferente. Nossa educação ainda é de quinta categoria, mas tem um processo que vai levar a alguma evolução, de algum jeito. Acredito nisso. E creio que temos que fazer algo. Só acho que não vai acontecer nada agora, nem nos próximos dez anos. Acredito que a mudança virá, mas com as futuras gerações.

O que vai impedir uma mudança mais rápida?

Acho que o impacto, por um lado, das crises que forçam os governos a serem mais conservadores, a darem resposta mais imediata aos problemas como o desemprego, geração de renda. Institucionalmente, pouco se faz nos países emergentes. Os países que sempre estiveram à frente, continuam à frente, como os nórdicos. É até covardia falar sobre o desenvolvimento deles. E os países que nunca deram muita bola para isso continuam sem dar. Nos Estados Unidos, por exemplo, não adianta o Obama pensar em alguma coisa nesse sentido porque lá existe o mais avançado e o mais atrasado sistema democrático; e o mais atrasado pára o mais avançado. A Europa tem uma cabeça mais evoluída no sentido de uma consciência sobre a necessidade de mudar um modelo que, em grande parte, eles ajudaram a criar, com seu tempo de dominação, mas está tão encalacrada em crises econômicas que tem poucos elementos à mão para fazer alguma coisa. A China é um outro mundo e tem que lidar com seus desafios de crescimento, não vai fazer milagres. Ou seja: a gente olha para o conjunto e realmente vê que não dá para ser muito otimista. Mas não acho que acabou, não. Porque o problema está aí e existem oportunidades na construção de uma nova economia. Há grandes chances para quem consegue se posicionar e achar as brechas. Mas investir no mercado financeiro, a médio prazo, é perder dinheiro.

Onde é, então, que se vai gerar valor na economia real?

Nas grandes mudanças que vão ter que acontecer. Em energia, por exemplo, pois vamos ter que sair do padrão de combustíveis fósseis, não vai ter jeito. É preciso pensar: como vão ser as oportunidades nessa questão? Acho que está faltando visão no Brasil. O país tem o potencial para uma economia de nova geração, com menos fertilizantes, com menos agrotóxicos, mas com maior produtividade. Ele poderia se constituir um projeto nacional em cima desse enorme território, mas precisa de inteligência, capital humano, educação básica, esporte de alta performance. Há oportunidade em cima da construção de uma sociedade sustentável.

A Natura tem muitas relações com associações na Amazônia, mas você tem dificuldades com os fornecedores locais, ou seja, famílias que detém os recursos que a Natura precisa para fazer seus produtos. É sinal de que a vida é mais dura do que se imagina?

A questão da organização social, das cooperativas,ainda é um grande desafio que uma empresa não consegue dar conta sozinha. A solidez de um fornecimento de qualidade é uma comunidade bem estruturada e organizada. Estou falando baseado numa experiência ruim que tivemos lá atrás com a Amafrutas. Era uma cooperativa com três mil famílias, já processavam frutas, ou seja, tinham a diversidade de fornecimento, tinham um caminho para a exportação e achamos que iríamos conseguir atingir essas famílias. Mas começamos a ter uma dificuldade enorme. Porque cooperativas têm o elemento humano, a relação. Não é por ser uma comunidade que são todos bonzinhos. As questões humanas estão presentes em qualquer grupo. A falta de educação, de informação... Ou seja, nós vamos levando na medida do possível mas não podemos substituir o Estado e as lideranças.

A decisão que a Natura tomou de não usar mais somente a Agropalma como fornecedora de óleo e comprar de pequenos produtores aponta para uma gestão sustentável. Ainda é uma decisão ousada?

É importante dizer que não tenho nada, absolutamente nada, contra a Agropalma. Tanto que nós somos parceiros. Mas, se nós queremos ser socialmente inclusivos e ecologicamente e ambientalmente responsáveis não dá para continuar comprando só de empresas grandes, porque em termos sociais é muito pouco. É um sonho bonito e não é impossível caminhar nesta direção, pensar que se pode ter oleaginosas sendo plantadas no quintal das famílias e que elas podem fornecer num sistema de cooperativa. Mas é claro que a gente precisa, para isso, contar com a ajuda do Estado, nem que seja minimamente.

Como seria essa ajuda?

O que estamos querendo é, por definição, um sistema de agricultura. Nada tão fantasmagórico

O Globo, 04/09/2012, Amanhã, p. 20-21

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