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As usinas que ficarão encalhadas

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: WOLF, Martin
06 de Abr de 2016

As usinas que ficarão encalhadas
Dada a longevidade de uma grande parte do estoque de capital, o momento para mudanças decisivas é agora, não décadas no futuro. Mas o mundo não vem levando o clima realmente a sério. Prefere ficar enrolando enquanto planeta pega fogo

Martin Wolf

Praticamente toda a capacidade de geração de energia por combustíveis fósseis vai ficar "encalhada". Esse é o argumento de um estudo de acadêmicos da Universidade de Oxford. Para que o provável aumento da mediana das temperaturas mundiais seja inferior a 2oC, já nos acostumamos à ideia de que não vamos poder queimar grande parte das reservas estimadas de combustíveis fósseis. No entanto, os combustíveis fósseis não são os únicos ativos a deparar-se com a possibilidade de ficar encalhados. Uma lógica similar pode ser aplicada a partes do estoque de capital.
Fevereiro foi o mês mais quente já registrado. O atual El Nino - aquecimento do clima mundial provocado pelo Oceano Pacífico - elevou as temperaturas, assim como havia feito em 1997/1998. A recente suposta pausa na elevação da temperatura se deu em comparação ao aumento repentino daquela ocasião. Uma comparação entre 1998 e hoje mostra que a temperatura continua a subir, juntamente com os estoques atmosféricos de dióxido de carbono. Isso serve de lembrete para a realidade da mudança climática.
Além disso, duas formas de inércia governam a política climática. Primeira, a infraestrutura da geração de energia, que produz 25% de todas as emissões antropogênicas, tem vida produtiva longa. Na União Europeia, 29% das usinas termelétricas têm mais de 30 anos e 61%, mais de 20 anos. A segunda refere- se ao dióxido de carbono, que fica na atmosfera por séculos. Portanto, é necessário pensar não em fluxos anuais, mas em emissões acumulativas ou no "orçamento global de carbono".
O estudo de Oxford presume (de forma otimista) que as emissões de todos os outros setores (além da geração de energia) sigam o cenário de emissões estimado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) com 50% de chance de manter o aumento das temperaturas abaixo de 2oC. Presume também que as novas usinas de energia vão operar até o fim de suas vidas econômicas. Sob essas suposições, o estoque de capital já passaria a infringir o orçamento global de carbono a partir de 2017. No entanto, nos últimos dez anos, as emissões decorrentes dos investimentos em geração de energia subiram 4% ao ano. Passar repentinamente para uma situação de emissão zero parece inconcebível.
Grandes declínios nas emissões de outras atividades aliviariam a natureza premente desse dilema, mas apenas de forma modesta. Ainda pior, reduzir substancialmente a dependência em relação aos combustíveis fósseis para transporte vai ser mais difícil do que reduzir a dependência da geração de eletricidade. Na verdade, a descarbonização da geração de eletricidade é a forma mais eficiente de descarbonizar o transporte, por meio da rápida disseminação dos veículos elétricos.
Quanto à própria geração de eletricidade, há quatro opções. A primeira seria uma passagem mais ou menos imediata para tecnologias sem emissões. A segunda seria modernizar a capacidade convencional com a captura e armazenamento do dióxido de carbono. A terceira seria substituir novos estoques de capital por capacidade de geração com emissão zero no início de sua vida. A última seria a introdução de tecnologias para remover os estoques atmosféricos de dióxido de carbono.
A energia de carbono zero inclui a energia nuclear, a hidrelétrica e a decorrente de fontes renováveis ou biomassa. Os custos da energia de fontes renováveis vêm caindo rapidamente. Ainda há obstáculos, mais notavelmente no que se refere à rede de integração e ao armazenamento. A questão agora não é "se", mas "quando". Mas não vai ser em 2017 - nem mesmo com a ajuda de um aumento acelerado na eficiência energética.
Novamente, alguma forma de captura e armazenamento do dióxido de carbono parece ser uma parte vital de qualquer solução. Mas essas tecnologias continuam, em termos gerais, caras e não comprovadas. Esse é um motivo pelo qual parece ser crucial que aconteça uma rápida mudança no padrão de investimentos.
A opção de prosseguir investindo em usinas convencionais apenas para abandoná-las antecipadamente seria um desperdício, além de uma grande ineficiência. Reduzir a vida média das usinas de energia convencionais em dez anos adiaria o "ano do compromisso" - depois do qual teríamos que abandonar a capacidade adicional instalada antes do fim de sua vida econômica normal - para não antes de 2023. Isso deixa pouco tempo para transformar o cenário de investimentos do mundo.
Em vez disso, seria mais inteligente instalar capacidade de emissão zero a partir de agora e mais rapidamente. É provável que isso seja particularmente benéfico, porque os custos vêm caindo com a produção acumulativa.
Como último recurso, poderiam ser empregadas a remoção do dióxido de carbono da atmosfera ou outras formas de geoengenharia. No entanto, todas essas tecnologias criam riscos técnicos e até geopolíticos. Se, por exemplo, um país intervir de forma unilateral diretamente no clima, as consequências para as relações mundiais poderiam ser preocupantes ou catastróficas.
Longe de dispormos de anos para descobrir como conter os riscos das mudanças climáticas, nos deparamos com um momento da verdade iminente. Isso também levanta questões prementes sobre que políticas seguir.
Para que o mercado de carbono venha a promover as mudanças desejadas nos investimentos, será necessário um compromisso crível de longo prazo. Mas os compromissos para o longo prazo mal conseguem ser críveis. Uma nova abordagem seria impor limites acumulativos nas emissões nacionais. Infelizmente, sua credibilidade seria pequena, mesmo caso se pudesse chegar a algum acordo. Uma alternativa poderia ser licenciar as novas usinas de energia e as já existentes, para forçar mudanças na tecnologia e acelerar o fechamento de capacidade de geração de energia com emissões. Mas tal licenciamento, novamente, teria que ser imposto rapidamente: de outra forma, o que se seguiria seria uma corrida para construir capacidade convencional que em breve ganharia isenção das exigências do novo cenário.
Também seria possível subsidiar ou tributar tecnologias específicas. Isso, contudo estaria vulnerável a ser mais aproveitado por interesses estabelecidos ou recém-criados. Por fim, é altamente desejável investir em pesquisa e desenvolvimento. É um escândalo de longa data o pouco que os governos investem em pesquisa e desenvolvimento em comparação aos subsídios a combustíveis fósseis.
Depois da conferência climática de Paris em 2015, o mundo se congratulou por ter chegado a um acordo quanto a um novo processo, ainda que as ações reais tenham sido adiadas. Dada a longevidade de uma grande parte do estoque de capital, no entanto, o momento para mudanças decisivas é agora, não décadas no futuro. Mas o mundo não vem levando o clima realmente a sério, não é? Prefere ficar enrolando enquanto planeta pega fogo. (Tradução de Sabino Ahumada).

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

Valor Econômico, 06/04/2016, Opinião, p. A13

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