FSP, Mercado, p. B11
25 de Mar de 2012
Usina deixa moradores sem casa em RO
Abertura de comporta da hidrelétrica de Santo Antônio provoca deslizamentos e afeta 600 pessoas em Porto Velho
Projeto ambiental não previa impactos na área; famílias mudam para pousadas e reclamam de espaço
FELIPE LUCHETE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO VELHO
Às vésperas de acionar a primeira de 44 turbinas, a usina hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho (RO), enfrenta uma greve de 15 mil trabalhadores, a quarta paralisação em três anos e meio de construção.
Do lado de fora da obra, longe das discussões trabalhistas, um problema só revelado após a abertura das comportas da hidrelétrica, em 2011: 600 moradores deixaram suas casas às pressas diante da força das águas, entre dezembro e janeiro.
Desde então, famílias que viviam no mesmo bairro trocaram casas de madeira e alvenaria por quartos em nove pousadas da cidade. Reclamam do espaço e da proximidade do convívio.
O projeto ambiental da usina não previa impactos a esses moradores, por isso ainda não há definição sobre o futuro dessas famílias.
Vizinhas da usina, elas viram a força das águas do rio Madeira provocar deslizamentos nos terrenos. A Defesa Civil condenou a área -hoje um X vermelho indica que as casas erguidas entre o rio e a antiga ferrovia Madeira-Mamoré, vazias desde fevereiro, serão demolidas.
As casas, desertas, são fiscalizadas por vigilantes. Restam objetos, animais e rochas colocadas pela Santo Antônio Energia ao longo do barranco que começou a ceder.
Apenas outras comunidades tiveram a mudança planejada em documento entregue ao Ibama, que liberou a construção da obra.
ONDAS
Ex-moradores contaram que as ondas destruíram a área de uma hora para outra, com estrondos à noite. Era comum o nível do rio aumentar no verão, mas nunca naquelas proporções.
Em meio a um quilômetro de casas vazias, a Folha encontrou apenas um ex-morador: Francisco Batista de Souza, 56, construindo uma canoa nos fundos de um bar.
Ele vivia da venda delas fazia de três a quatro por mês, vendidas a R$ 1.500 cada uma.
Souza, 27 anos no bairro, trabalhava no quintal de casa, à sombra de uma árvore hoje engolida pelas águas.
Na pousada em que vive agora com a mulher e duas filhas, não há espaço para canoas nem para o churrasco em família.
"Uma funcionária da usina chegou a falar para ir embora [da área de risco], mas tenho contas para pagar. Eles [a empresa] dão comida, bebida e dormida, mas onde vou trabalhar?", questiona.
PARALISAÇÃO
A obra de Santo Antônio foi paralisada nesta semana após trabalhadores decidirem cruzar os braços. A usina de Jirau, também construída no rio Madeira, enfrenta uma greve há quase 20 dias.
Os operários das duas usinas têm as mesmas reivindicações: reajuste salarial
de 30%, aumento da cesta básica e mudanças no pagamento de horas extras e da jornada de trabalho, entre outros pontos. Ainda não houve acordo.
Outro Lado
Construtora diz que dá assistência aos prejudicados
DO ENVIADO A PORTO VELHO
A Santo Antônio Energia, construtora da usina, reconheceu que o desbarrancamento do bairro Triângulo foi "acelerado e potencializado" após a implantação da barragem da hidrelétrica.
Em nota, a empresa afirmou que rochas colocadas nos barrancos do rio Madeira resolveram definitivamente o problema.
Disse ainda que monitora as margens do rio e que a usina promove "contínuo estudo e avaliação" para evitar repetição da situação.
Segundo a empresa, formada por Odebrecht, Andrade Gutierrez, Furnas, Cemig e um fundo de investimentos, técnicos vão avaliar as condições das casas para verificar se alguns moradores poderão voltar com segurança.
Os demais serão indenizados ou terão novas casas. A Santo Antônio Energia não respondeu para onde as famílias serão encaminhadas.
Sobre a moradia temporária em pousadas, a empresa disse que oferece "assistência necessária", como refeições diárias e lavanderia.
A empresa afirmou ainda que investe R$ 1,4 bilhão em ações socioambientais previstas no projeto ambiental entregue ao Ibama.
(FL)
FSP, 25/03/2012, Mercado, p. B11
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/33281-usina-deixa-moradores-se…
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/33283-construtora-diz-que-da-a…
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