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União gasta quase 15 vezes mais com socorro a tragédias que em prevenção

OESP, Metrópole, p. C1
15 de Set de 2009

União gasta quase 15 vezes mais com socorro a tragédias que em prevenção
Programa de resposta a crises já recebeu R$ 1 bi, enquanto plano para evitar emergências teve R$ 71,2 milhões

Vannildo Mendes
Brasília

Do total de R$ 1,6 bilhão previsto na Medida Provisória 448, editada pelo governo no fim do ano passado, após as enchentes de Santa Catarina, R$ 1,56 bilhão, ou 97% do total, já havia sido liberado até 3 de setembro, conforme levantamento feito pela ONG Contas Abertas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). A execução orçamentária é boa, mas mal disfarça um dado preocupante: o País gasta muito na assistência a vítimas de desastres e quase nada com a prevenção e em medidas para minimizar danos.

Essa realidade fica clara na comparação dos dois programas federais, um dedicado à "prevenção" e outro à "resposta" a eventos climáticos, inseridos no Siafi. Desidratado de verbas, o primeiro, intitulado "prevenção e preparação para emergências e desastres", teve apenas R$ 17,4 milhões liberados neste ano. Com os restos a pagar do exercício anterior, o valor chega a R$ 71,2 milhões. Já no "programa de resposta aos desastres", destinado a socorrer flagelados, o governo gastou R$ 1 bilhão, sendo R$ 809,2 milhões do Orçamento e R$ 213,8 milhões de restos a pagar.

Alguns itens cruciais do Orçamento, como apoio a obras preventivas de desastres, ações de defesa civil para enfrentamento das mudanças climáticas e estruturação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), tiveram zero de lançamento neste ano. A União também nada gastou com o item "publicidade de utilidade pública", necessário para a orientação e o esclarecimento das populações residentes em áreas de risco.

Em contrapartida, o Tesouro destinou neste ano R$ 980 milhões para "restabelecimento da normalidade no cenário de desastres" e R$ 642,5 milhões com socorro e assistência às pessoas atingidas por desastres. "Continuamos agindo de forma reativa, socorrendo vítimas depois que a casa cai", constatou o economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG.

Ele explicou que isso ocorre, em parte, porque é pouco compensador eleitoralmente investir em obra preventiva, como remover famílias que habitam há décadas na encostas de morros, abrir valas em vias públicas para esgoto, ou aprofundar leitos de rios para conter assoreamento. "Obras de prevenção causam muito transtorno e não dão voto, infelizmente."

As fortes chuvas dos últimos dias reavivaram a lembrança da tragédia vivida em Santa Catarina entre os últimos meses de 2008 e o início de 2009, quando deslizamentos de terra, alagamentos e transbordamentos de rios afetaram mais de 1,5 milhão de pessoas, matando 135 e deixando milhares de desabrigados em 60 cidades. Mais de 30 mil famílias viveram o drama de perder tudo o que tinham.

Do total liberado até agora pela MP 448, R$ 453,4 milhões, mais de 29%, foram para reconstruir casas, cuidar de desabrigados e reconstituir equipamentos públicos destruídos em Santa Catarina. Em segundo lugar veio a Bahia, com R$ 144,6 milhões, seguida do Piauí, com R$ 97,4 milhões. São Paulo, apesar dos graves danos sofridos anualmente por fenômenos climáticos, ficou em 16o lugar, com apenas R$ 23,6 milhões.

DEFESA CIVIL NACIONAL

A secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente, admitiu ontem que as ações preventivas do poder público, embora tenham crescido, ainda estão aquém das necessidades, sobretudo porque, na opinião dela, os eventos climáticos se agravam no País, graças ao aquecimento global. "O Brasil não escapa."

Ela ponderou ainda que os números da ONG Contas Abertas podem estar imprecisos, porque os gastos da União com prevenção estão diluídos em diversos ministérios. Ela garantiu que o montante gasto com prevenção provavelmente supera o que se aplica em assistência às vítimas. "Além disso, cabe aos Estados e municípios, primeiramente, as ações locais de prevenção. A secretaria atua em todas as fases dos eventos climáticos, mas acaba aparecendo mais como bombeiro na hora de socorrer as vítimas de calamidades."

Em SC, 6 mil ainda não voltaram para casa
Repasse de R$ 120 milhões opõe técnicos do Estado, TCU e Defesa Civil

Júlio Castro, Florianópolis

Cerca de dez meses depois do desastre das chuvas em Santa Catarina, o Ministério da Integração Nacional repassou R$ 325 milhões (R$ 220 milhões para reconstrução e R$ 105 milhões para socorro) dos R$ 476 milhões empenhados para investimentos e custeio dos estragos provocados pela tragédia. Outros R$ 120 milhões, para o custeio de ações preventivas contra as catástrofes no Estado, opõem os catarinenses, a Defesa Civil Nacional e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Do montante reivindicado, os órgãos federais alegam que houve um adiantamento de R$ 85 milhões no ápice da tragédia e somente R$ 35 milhões são devidos. "A bancada catarinense está equivocada (em solicitar R$ 120 milhões). Os R$ 35 milhões, restantes, poderão ser utilizados em prevenção", afirma a secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente.

"Nenhuma ação preventiva foi executada em todo o período pela negativa no repasse desses recursos. Tanto a situação de emergência se mantém que quase 6 mil famílias continuam impedidas de voltar para as casas, que estão em situação de risco", afirmou o coordenador técnico do Grupo Reação, Humberto Kremer Neto. O grupo Reação é formado por uma equipe de técnicos e representantes políticos catarinenses responsáveis por intermediar o pleito de recursos federais. Outros R$ 116 milhões, empenhados na primeira quinzena de dezembro de 2008, mesmo antes da edição da MP 448, continuam pendentes, conforme acrescentou Humberto.

O secretário de Articulação Nacional, Geraldo Althoff, integrante do Grupo Reação, reconhece que os valores até hoje liberados estão muito aquém da necessidade do Estado, mas ressalta que as verbas que chegaram foram bem utilizadas. "Existem algumas pendências fundamentadas em lei, que esperamos possam ser resolvidas em breve."

Parte dos recursos da MP 448 já foi destinada para algumas obras do Departamento de Infraestrutura (Deinfra), como recuperação de rodovias estaduais, pontes, pontilhões e prédios públicos, além de aquisição de veículos. Foram gastos R$ 325 milhões, de um empenho oficial de R$ 360 milhões - os demais R$ 35 milhões estão em processo de análise no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).

Segundo informações da Secretaria da Fazenda de Santa Catarina, outros R$ 350 milhões estão sendo aplicados na reconstrução de portos, principalmente o de Itajaí, o segundo terminal brasileiro em volume de exportações. O valor vem sendo liberado com significativo atraso. O porto chegou a operar com prejuízo de R$ 35 milhões por dia.

PREFEITURAS

Paralelamente aos recursos federais, as doações voluntárias depositadas nas contas bancárias da Defesa Civil Estadual somaram R$ 36 milhões. Desse total, R$ 19 milhões foram destinados às prefeituras por convênios para a reconstrução e outros R$ 17 milhões acabaram direcionados para o programa Auxílio Reação - cerca de 7 mil famílias foram beneficiadas, com seis parcelas de R$ 415, até este mês.

Previsão é de mais chuva amanhã e temporal na 6ª

Júlio Castro e Elder Ogliari

A baixa da maré contribuiu para facilitar o escoamento das águas dos rios que transbordaram por causa das chuvas que causaram enchentes em pelo menos sete cidades do sul de Santa Catarina. Porém, amanhã, deve voltar a chover em diversas regiões do Estado. Na sexta-feira, a situação pode piorar, com a chegada de nova frente fria e risco de temporais, descarga elétrica, queda de granizo e ventos fortes.

A Defesa Civil de Santa Catarina mantém o alerta, considerando a frequência de chuva acima da média prevista para o mês de setembro. O solo permanece encharcado e vulnerável, levando a deslizamentos, em especial no litoral e na região do Vale do Rio Itajaí. O órgão calcula que 183 mil pessoas foram atingidas pelas chuvas. Permanecem em situação de emergência 68 municípios.

A secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente, em visita ao Estado, informou que muitas pessoas já começaram a retornar para suas propriedades, a fim de tentar reconstruí-las. Informou que um relatório dos danos, base para a elaboração de um plano de trabalho, está praticamente concluído e servirá para a liberação imediata de R$ 26 milhões para reparação dos estragos.

O Rio Grande do Sul contabilizou ontem 2,2 mil famílias desabrigadas e 2,6 mil desalojadas, quatro rodovias interrompidas e 13 municípios em situação de emergência. Há famílias fora de suas casas em quase todas as regiões do Estado.

Ontem, os rios começaram a baixar, nas regiões próximas às cabeceiras e aos cursos médios. Em São Sebastião do Caí, o Rio Caí baixou 3 metros, depois de ter saído de seu curso no sábado. Apenas 3 das 73 famílias desabrigadas voltaram para suas casas. Hoje não deve chover, mas a expectativa para o restante da semana é de tempo ruim.

OESP, 15/09/2009, Metrópole, p. C1

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