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Uma visita ao mundo do Xingu

OESP, Estadão Oeste, p. ZO8
11 de Jun de 2004

Uma visita ao mundo do Xingu
Morador da região vê o Kuarup e confronta a vida na selva com o jeito paulistano de ser

Igor Giannasi

Em meio a projetos, reuniões e decisões importantes a tomar, o empresário Julio Capobianco, de 81 anos, segue a rotina na sua construtora. Mas ele não está integralmente ali. Uma parte do morador do Jardim Paulistano ficou em uma região do noroeste do Estado do Mato Grosso. De espírito desbravador, Capobianco já viajou pela selva amazônica, conheceu as Ilhas Galápagos e enfrentou o frio do Alasca, mas somente a convivência com os índios kuikuro, por uma semana de agosto de 2000, o motivou a registrar impressões sobre uma realidade completamente diferente. O empresário conta a experiência no livro Xingu - Viagem sem Volta. "Foi um impacto grande mesmo", comenta.

Durante a temporada no Alasca, Capobianco recebeu um e-mail do ambientalista André Villas Boas confirmando a viagem ao Xingu. Lá, pôde assistir ao Kuarup, ritual de celebração aos mortos. "Não tinha a menor idéia do que iria ver, do que seria. Como eu, acho que a maioria dos brasileiros não tem a menor idéia do que seja", diz o empresário. Para a cerimônia, a aldeia dos kuikuro abrigou índios de diversas tribos vizinhas.

O colorido da pintura do corpo e as lutas-rituais dos indígenas de porte atlético impressionaram o caraíba (como é chamado o "homem branco"). A naturalidade da nudez dos habitantes da aldeia também o surpreendeu, como um "civilizado" acostumado aos padrões da"cidade grande". "É muito difícil para nós ficarmos nus com dignidade.'
O banho é o mais importante 'compromisso social' entre os Kuikuro. Na trilha que dá acesso ao rio, em vez de 'oi' ou 'bom dia' ,o comprimento é perguntar se a pessoa já se banhou. O respeito pelas águas ocorre não só pela simbologia do banho. "Eles comem peixe e não podem destruir o rio", explica o empresário.

A maneira como os índios tratam as crianças foi outro aspecto que chamou a atenção de Capobianco. Uma cena em especial o marcou: um índio ensinando algo a um pequeno curumim. Da conversa entre os dois, Capobianco não compreendeu nenhuma palavra. Mas ele não pôde deixar de notar a forma carinhosa de se passar as tradições. "Aqui, a gente quer ensinar no tranco", lamenta. "Lá a criança aprende a respeitar porque tudo é comunitário."

Também estiveram na expedição o fotógrafo Pedro Martinelli, os filhos do empresário Julio e João Paulo, e a neta dele, Ana Terra, que tirou a maior parte das fotos que ilustra a publicação. A relação com o meio ambiente não é novidade para a família. João Paulo foi diretor da organização não-governamental (ONG) SOS Mata Atlântica e atualmente é secretário da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente.

As anotações do diário de viagem foram feitas nos momentos de descanso na oca, onde ele e a equipe ficaram instalados. As imagens do Xingu também inspiraram as pinturas de acrílico sobre madeira feitas pelo empresário, que ilustram as páginas do livro.

Simplicidade - Apesar de curto, o tempo que viveu na aldeia dos kuikuro fez o empresário repensar os valores da metrópole. "Hoje, a gente perde o prazer das coisas simples. Tudo tem de ser sofisticado", critica. O empresário acredita que deve haver um meio termo entre abrir o Xingu de modo que se crie uma espécie de "parque temático" no lugar e o isolamento total das tribos que vivem naquela área. "O índio precisa ter as vantagens da civilização e nós temos de ter as vantagens da civilização deles", opina.

Ele não se considera um especialista na questão indígena, mas gostaria de fomentar a discussão sobre o assunto com a publicação. Mais do que isso, Capobianco espera poder atrair outras pessoas a realizar essa "viagem sem volta", nem que a aventura seja pelas páginas do livro. "É muito interessante essa coisa que fica nas pessoas que foram ver aquilo. Não sei se é mágica, mas que tem, tem."

"Xingu - Viagem Sem Volta", de Julio Capobianco (Editora Terceiro Nome)

OESP, 11/06/2004, Estadão Oeste, p. ZO8

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