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Uma rápida ação climática

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: ESPINOSA, Patrícia; MOLINA, Mario
12 de Set de 2016

Uma rápida ação climática

Patrícia Espinosa e Mario Molina

No mês que vem, os países signatários do Protocolo de Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio vão se reunir em Kigali, Ruanda. Seu objetivo será apreciar uma emenda ao tratado que, se aprovada, reduzirá gradualmente, até finalmente eliminar, o uso de hidrofluorcarbonos (HFCs). Os HFCs, que são um dos seis principais gases de efeito estufa, são comumente usados em sistemas de ar-condicionado e de refrigeração no mundo inteiro.
A emenda será uma bênção para o desenvolvimento sustentável e poderá evitar a liberação de nada menos que de 100 a 200 bilhões de toneladas de emissões que contribuem para a mudança climática até 2050. Isso será suficiente para fazer com que o mundo percorra um quarto do caminho rumo à conquista da meta de 20 Celsius de aquecimento global fixada em dezembro de 2015, pelo Acordo de Paris sobre mudança climática.
O Protocolo de Montreal foi criado para reconstituir a camada de ozônio, que protege todas as formas de vida no planeta dos níveis mortais dos raios ultravioleta. Até agora tem sido um sucesso notável, com quase 100 produtos químicos destruidores da camada de ozônio tendo sido gradualmente abandonados nos últimos trinta anos. O estado da camada de ozônio está melhorando e, segundo as mais recentes estimativas, ela poderá estar recuperada até 2065, o que deverá economizar trilhões de dólares em custos mundiais com assistência médica e despesas agrícolas.
Boa parte dessa melhoria ocorre devido aos HFCs, que são excelentes alternativas, mais amigáveis, aos clorofluorcarbonos, mais antigos, cujo uso foi gradualmente abandonado. No entanto, os HFCs, alguns dos quais são gases de efeito estufa 4 mil vezes mais poderosos do que o dióxido de carbono, são um desastre para a mudança climática, e seu uso, mesmo assim, aumenta 10% anualmente.
Faz sentido, portanto, focar nos HFCs ao tomar medidas de enfrentamento à mudança climática. Antes de mais nada, reduzi-los pode render benefícios econômicos, devido às melhorias significativas da eficiência energética proporcionadas por sistemas mais novos de ar-condicionado e de refrigeração. A simples introdução paulatina de sistemas mais eficientes de condicionamento de ar eqüivaleria, em termos de emissões, à desativação de 2,5 mil centrais elétricas de pico (usinas elétricas que entram em operação durante períodos de alta demanda, como o verão) de médio porte.
Na China, a mudança para gases de refrigeração mais amigáveis ao clima e o aumento da eficiência energética do condicionamento de ar e da refrigeração poderão permitir que se alcance, em economias de emissões, o equivalente a oito barragens hidrelétricas das Três Gargantas, na China. Na índia, a troca poderá corresponder a mais de duas da atual Missão Solar Nacional, governamental, que promove a penetração da energia solar fotovoltaica e a construção de novos parques fotovoltaicos de telhado e de
Muitos países - entre os quais a União Européia (UE) e os Estados Unidos, ao lado de Belize, Burkina Faso, Colômbia, Egito, Sérvia e Iêmen - já reconhecem essas extensas vantagens e estão tomando medidas unilaterais para eliminar progressivamente o uso dos HFCs. Um estreito acordo em torno dos HFCs em Kigali elevará o ímpeto desses esforços e proporcionará apoio financeiro a países em desenvolvimento desejosos de migrar para tecnologias mais recentes, mas que, no momento, não dispõem de condições financeiras para isso.
No setor privado, gigantes do setor de varejo como Walmart, Nestlé e Tesco aderiram ao Fórum de Produtos de Consumo, um programa de cooperação climática, e aceitaram eliminar gradualmente produtos com HFCs. A ONU e o Greenpeace, por meio de uma campanha chamada "Refrigerantes, Naturalmente!", trabalham em cooperação com Coca-Cola, Pepsico, Redbull e Unilever com essa mesma finalidade.
O encontro de Kigali deverá render uma sólida emenda sobre os HFCs. No entanto, alguns países situados em regiões especialmente quentes do planeta preocupam-se intensamente com a possibilidade de as alternativas mais amigáveis ao clima a seus essenciais sistemas de ar- condicionado possam não funcionar tão bem. Qualquer acordo pode levar em consideração preocupações como essas por meio da concessão de uma isenção temporária a esses países, enquanto os demais avançam no uso de sistemas mais recentes a fim de comprovar sua eficácia.
O processo de aquecimento do planeta já revela um impacto devastador sobre algumas das populações mais vulneráveis do mundo e continuará, inevitavelmente, a ter esse efeito. Em última análise, todos os países terão de encontrar uma maneira de avançar na redução dos HFCs e na mudança climática de modo geral, por meio de planos de ação nacionais e de reduções de emissões pactuadas sob a égide do Acordo de Paris em 2015.
Os HFCs, além disso, serão o ponto central da próxima grande conferência da ONU sobre mudança climática, a C0P-22, que se reúne em Marrakesh, no Marrocos, em novembro. Estamos confiantes de que os governos que se preparam para se encontrar em Kigali entendem a necessidade de uma sólida emenda dos HFCs, que impulsará outros itens da agenda em Marrakesh, como as Metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Para que o planeta tenha êxito em reduzir as emissões mundiais a fim de evitar que a mudança climática alcance níveis catastróficos, a redução dos HFCs é um lógico - talvez o mais lógico - primeiro passo. (Tradução de Rachel Warszawski)

Patrícia Espinosa é secretária executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima.

Mario Molina foi um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Química de 1995 por seu trabalho sobre gases prejudiciais à camada de ozônio.

Valor Econômico, 12/09/2016, Opinião, p. A13

http://www.valor.com.br/opiniao/4706171/uma-rapida-acao-climatica

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