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Uma nova esperança para os mananciais

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José; SENA, Lucia Bastos Ribeiro de
18 de Mai de 2004

Uma nova esperança para os mananciais

José Goldemberg E Lúcia Bastos Ribeiro de Sena

Amelhor maneira de proteger os reservatórios que suprem de água boa parte da população da Região Metropolitana de São Paulo teria sido preservar grandes espaços abertos nas bordas das Represas Billings e Guarapiranga, de forma a dar prioridade à recreação e garantir um estoque de espaços públicos para o futuro.
Na década de 1970 ficou evidente que essa solução não era mais possível, por causa da necessidade de desapropriar grandes áreas em torno das represas. A solução adotada pela Lei de Proteção aos Mananciais de 1977 foi a de orientar a expansão da metrópole no sentido leste-oeste, e não norte-sul.
Como isso seria possível? Principalmente por meio de sérias restrições de uso que garantissem baixa ocupação, baixa densidade populacional e pouca impermeabilização, de forma a impedir que as atividades socioeconômicas viessem a produzir poluição. Além disso, era necessário implantar um sistema de fiscalização eficiente que desse conta de impedir novas ocupações.
A lei não foi cumprida, e da ilegalidade nasce a clandestinidade, a favelização, a exclusão social. Várias foram as razões do não-cumprimento da lei, mas dentre elas vale destacar o barateamento da terra, que, em decorrência das restrições, levou empreendedores pouco éticos a oferecerem lotes irregulares à população menos favorecida, aumentando a irregularidade.
Além disso, durante todos esses anos, políticos inescrupulosos utilizaram-se do anseio da população pela regularização para se eleger, contribuindo de forma significativa para o agravamento do problema.
A região dos mananciais, que deveria ter sido preservada, foi tomada pela população mais carente, dando origem a grandes aglomerações onde vive cerca de 1 milhão de pessoas, sem esgotos e sem os demais serviços públicos, com todos os problemas decorrentes, inclusive o da degradação ambiental dos reservatórios.
Com a abertura política, passou a proteção das águas das represas a ser prioridade e o abastecimento público, seu principal uso, o que se chocava frontalmente com a ocupação ilegal.
Desde então, todos os governos alinhavaram propostas que ensejavam um redesenho da Lei de Proteção aos Mananciais, no qual seriam mantidas as restrições da lei, ao mesmo tempo em que se anistiaria a ocupação irregular.
Os ambientalistas sempre se manifestaram contra a anistia e os movimentos populares, a favor - e a cidade, impedida de ser legal, continuava a crescer.
Em 1997, após inúmeras discussões, chegou-se a um pacto que partia do princípio de que qualquer revisão da lei deveria estar apoiada numa base técnica. Foi, então, promulgada, pelo governador Mário Covas, a Lei 9.866/97, que estabeleceu diretrizes e normas para a proteção e recuperação dos mananciais de interesse regional do Estado de São Paulo e deu a base legal para um segundo passo, as leis específicas.
Cada bacia deveria ter sua lei específica, construída em bases técnicas, que pudesse orientar a solução da poluição de seus mananciais. Isso deveria dar-se por meio não só da revisão da legislação e da implantação de um modelo de gestão compatível com a garantia da qualidade e quantidade da água, mas também com um programa de ação governamental que promovesse a recuperação da qualidade ambiental das bacias.
Estudos promovidos pelo Programa Guarapiranga evidenciaram que o maior problema do Reservatório Guarapiranga é a carga poluidora decorrente dos esgotos não tratados que, correndo a céu aberto, chegam à represa.
A carga poluidora seria significativamente diminuída se os esgotos forem coletados e/ou tratados, e esse tratamento poderá flexibilizar os padrões de ocupação previstos na Lei de Proteção aos Mananciais. Esse é o espírito da Lei Específica do Guarapiranga, que determina para cada município pertencente à bacia uma carga máxima a ser mantida. O município poderá, assim, organizar o uso de seu solo, dentro de padrões referenciais estabelecidos, uma vez que a lei correlaciona a qualidade do solo com os usos, a ocupação e o manejo do solo da bacia.
O mapeamento dessas áreas, estabelecido pela relação entre o padrão de ocupação e a carga poluidora, possibilitará manter parte da ocupação existente na bacia, garantindo-se a qualidade dos mananciais.
A remessa da Lei Específica da Bacia do Guarapiranga à Assembléia Legislativa de São Paulo significa um passo na implementação de políticas públicas para proteção dos mananciais que tragam resultados efetivos.

José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Lúcia Bastos Ribeiro de Sena é coordenadora de Planejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental

OESP, 18/05/2004, Espaço Aberto, p. A2

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