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Uma mina de ouro no degelo

Veja, Ambiente, p. 124-125
03 de Mai de 2006

Uma mina de ouro no degelo
Efeito inusitado do aquecimento global, a exploração econômica da região ártica passa a ser alternativa para a crise do petróleo e a criação de novas rotas marítimas

José Eduardo Barella

O aquecimento global está produzindo efeitos devastadores no Ártico. No último verão no Hemisfério Norte, a calota de gelo foi reduzida ao menor tamanho já registrado. A ponto de, pela primeira vez, cientistas russos navegarem até o Pólo Norte sem precisar abrir caminho com navios quebra-gelos. Isso ocorre porque a temperatura na região polar aumenta em média duas vezes mais que no resto do planeta. O fenômeno tem efeitos ecológicos danosos - toda uma fauna adaptada ao frio rigoroso, que inclui ursos-polares, baleias, focas e morsas, está ameaçada de extinção -, mas, paradoxalmente, está provocando uma espécie de corrida do ouro ao Círculo Polar. Isso ocorre por dois motivos principais: o derretimento do gelo vai permitir a exploração das reservas de petróleo e gás natural no Oceano Ártico e abrir novas e mais curtas rotas de navegação.
O Instituto Geológico dos Estados Unidos calcula que 25% das reservas mundiais de petróleo e gás natural estão lá, esperando para ser exploradas. Isso significa 2 trilhões de dólares em valores de mercado. O Campo de Stockman, que está situado na região européia do Ártico e abriga o maior depósito mundial de gás natural, deverá ser explorado pela estatal de petróleo norueguesa Statoil e pela russa Gazprom. O objetivo é transportar o gás por dutos submarinos até o continente e de lá alimentar a Europa ocidental. Além de reduzir os custos, o empreendimento vai criar milhares de empregos em regiões dos dois países que antes atraíam poucos investimentos. É verdade que com o degelo aumenta o perigo dos icebergs, mas, em compensação, os campos petrolíferos no Ártico não serão ameaçados pela instabilidade política e pelos homens-bomba do Oriente Médio.
Até 2015, toda a região poderá ser navegável seis meses por ano - hoje não passa de um mês, e com a ajuda de navios quebra-gelos. Será então possível levar mercadorias do Porto de Hamburgo, na Alemanha, para o de Yokohama, no Japão, navegando pela costa da Sibéria, reduzindo à metade o tempo de viagem, atualmente feita pelo Canal de Suez. Via Ártico, os petroleiros vão poupar 12.000 quilômetros na viagem entre a Venezuela e o Japão. "Os custos de transporte vão cair com essas novas rotas, o que deve causar impacto positivo na economia mundial", disse a VEJA a oceanógrafa americana Kathleen Crane, do Centro de Pesquisas do Ártico, órgão do governo americano.
Com o aumento no tráfego naval, serão necessários novos portos, estaleiros e postos de abastecimento - é por isso que o americano Pat Broe acredita ter acertado na sorte grande. Há oito anos, ele pagou 7 dólares por um pedaço de terra coberto de gelo na cidade portuária de Churchill, na região ártica do Canadá. Com o degelo aumentando na região, Broe faz planos de investir no Porto de Churchill para torná-lo local de apoio à navegação entre a Europa e a Ásia. Sua previsão é faturar 100 milhões de dólares por ano à custa do aquecimento global. Os interesses econômicos em jogo estão provocando outro tipo de corrida, desta vez envolvendo países com ambições territoriais no Ártico: Noruega, Dinamarca, Canadá e Estados Unidos. Cada um deles quer assegurar sua soberania sobre os enormes recursos naturais e também o controle sobre as rotas marítimas que, por ora, ainda estão bloqueadas pelo gelo.
Em julho do ano passado, o Canadá hasteou sua bandeira na ilha Hans, uma rocha de 1,3 quilômetro quadrado surgida com o degelo entre a ilha canadense Ellesmere e as águas territoriais da Groenlândia. A Dinamarca considerou uma provocação e fez um protesto formal. Os limites territoriais são realmente confusos no Ártico. De acordo com a lei marítima internacional, as fronteiras das zonas econômicas nacionais acompanham o limite da plataforma continental de cada país. No Ártico, porém, é impossível demarcar onde terminam as plataformas (boa parte coberta por geleiras) e onde começam as águas internacionais. Quem diria que, há bem pouco tempo, nenhum país ou empresário dava a mínima para a vastidão gelada do Ártico.

Veja, 03/05/2006, Ambiente, p. 124-125

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