VOLTAR

Uma 'invasão' acidental à aldeia

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: LEONÊNCIO NOSSA
24 de Nov de 2002

Guias ultrapassam obstáculo e sumem; outros vão atrás a tempo de ouvir índios em fuga

Indigenistas e mateiros examinam zarabatana na aldeia dos "flecheiros": curare guardado em potes de barro dentro de maloca

Naquela manhã, depois de andar dias sem ver o sol, sob a copa cerrada das árvores, e depois de uma noite de ataques de formigas, cada homem havia recebido apenas uma porção de farinha com carne de macaco para passar o dia. A caminhada iniciou-se cedo. E logo a sensação era de que o grupo estava sendo acompanhado. Um caminho bloqueado por galhos foi identificado. Os índios usam esse sinal para proibir visitas, explicou o coordenador da expedição, Sydney Possuelo. Era tarde demais. Os guias Alfredo e Narean Kanamari, dois dos índios aculturados incorporados ao grupo, já tinham passado por cima do galho. "Não é flecheiro, não, é parente da gente", ironizou Narean, um dos guias indígenas. "Flecheiro" é o apelido de um dos grupos isolados da região, do qual só se conhece a habilidade de caçar com flechas.

Alfredo e Narean sumiram. Um grupo de nove homens foi organizado para resgatá-los, mas ficou mais tenso ao se aproximar de um portal de cipós. No chão, uma mancha vermelha. Alívio. Era urucum, tinta usada em pinturas rituais. Gritos e correria em direção à mata. Os brancos passam por uma roça e mais outra. E chegam à aldeia. Os rastros dos guias davam em uma das malocas. Lá dentro, dois potes de barro com um líquido cremoso. "É curare!", espantou-se o mateiro Ivã Uaçá, outro guia índio, de etnia Matis. O curare, veneno feito de ervas e cipós, paralisa o corpo.

E logo se descobriu que os índios daquela aldeia usam zarabatanas, arma de sopro silenciosa que, se bem manejada, pode ser mais eficiente do que espingarda, numa caçada. Uma zarabatana de quatro metros foi encontrada pelos sertanistas no local. O instrumento talvez indique alguma identidade de seus habitantes com povos de língua pano, que chegaram à Amazônia Ocidental no ano 300 depois de Cristo e se refugiaram ali, nas cabeceiras dos Rios Jutaí e Itaquaí, por volta de 1300, fugindo dos Tupis.

O grupo estava cercado por homens munidos de armas envenenadas. Cresceu a suspeita de que os guias tinham sido aprisionados, estavam mortos ou dopados. Os mateiros subiram em troncos para dialogar com os "flecheiros", sem êxito. Após fotografarem e colherem o máximo de informações sobre a aldeia, os sertanistas e a reportagem do Estado se retiraram, deixando tudo exatamente no lugar em que estava.

À tarde, Narean e Alfredo foram encontrados a dois quilômetros dali. Vivos.

Os guias escaparam pelos fundos, após constatarem que os habitantes da aldeia não eram parentes, pelo modo como organizavam a roça de tawá (macaxeira), diferente dos plantios feitos pelos kanamari nas aldeias pobres do Rio Itaquaí.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.