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Uma forço planetária

O Globo, Sociedade, p. 22
14 de Jan de 2016

Uma força planetária
Impacto da ação humana na Terra é comparável a meteoro que dizimou dinossauros, diz cientista

Cientista líder do grupo que avalia a oficialização do Antropoceno, a "era dos humanos", como um período na linha do tempo do planeta, diz que a ação do homem sobre a Terra tem impacto comparável ao do meteoro que dizimou os dinossauros há 66 milhões de anos, relata CESAR
BAIMA. No Museu do Amanhã, uma exposição sobre esse conceito vem chamando atenção dos visitantes para essa discussão.

CESAR BAIMA
cesar.baima@oglobo.com.br

Quando se fala em fenômenos geológicos, vêm à mente eventos poderosos, como erupções vulcânicas e terremotos, ou processos lentos, como a erosão e o depósito de sedimentos em rios, lagos e oceanos. Mas poucas pessoas imaginavam que a Humanidade mudaria a face da Terra de forma tão abrupta que poderia ser considerada uma força de transformação planetária equiparável ao meteoro que dizimou os dinossauros há cerca de 66 milhões de anos. É isso, porém, que observam as dezenas de cientistas do grupo criado pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), mais antigo órgão científico da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), para montar a proposta para adoção oficial do Antropoceno, a "era dos humanos", no sistema de divisão do tempo geológico do planeta, sucedendo a época atual, o Holoceno.
- Vivemos numa época em que as pessoas afetaram tanto os processos geológicos da Terra, em alguns casos de forma tão permanente, que estamos criando um novo tipo de geologia, um novo estrato com fósseis, um padrão da química nas rochas e outras evidências do tipo - conta ao GLOBO o cientista Jan Zalasiewicz, professor da paleobiologia da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e presidente do grupo de trabalho da ICS, que apresentará a proposta no próximo Congresso Internacional de Geologia, em agosto, na África do Sul. - Se tivermos geólogos daqui a 1 milhão de anos, ou mesmo 100 milhões de anos, eles verão o estrato que representa esta época em particular e reconhecerão que algo aconteceu, que o mundo mudou, assim como quando um meteoro atingiu a Terra e extinguiu os dinossauros há milhões de anos.
Segundo Zalasiewicz, embora algumas evidências sejam facilmente discerníveis hoje, elas não são tão relevantes diante da enorme escala do tempo geológico. É o caso, por exemplo, dos elementos radioativos espalhados a partir da explosão das primeiras bombas atômicas nos anos 1940, ou o ar com alta concentração de dióxido de carbono preso no gelo polar e de glaciares pelo mundo. Outras, no entanto, têm um caráter que as tornam potencialmente muito mais duráveis, ou mesmo permanentes, e devem servir de base para a decisão sobre a oficialização do Antropoceno. Neste grupo, ele destaca as alterações radicais que a Humanidade fez na biosfera, tanto com o extermínio de espécies de animais e plantas numa velocidade só vista nas grandes extinções em massa do passado quanto com a sua redistribuição pela superfície da Terra.
- As alterações que estamos fazendo na distribuição das espécies de animais e plantas no planeta é impressionante, de uma forma muito mais abrangente e efetiva da que qualquer outro processo geológico no passado - comenta ele.
Essa transformação seria vista pelos geólogos do futuro como uma mudança distinta, e até mesmo severa, diz o pesquisador. Além disso, foi desencadeado um ritmo de extinção de espécies comparável a eventos anteriores de extinção em massa.
- Creio que essas mudanças serão observadas mais facilmente no futuro distante por serem permanentes. Ao estudar a biologia do planeta, o futuro geólogo poderá ver que uma modificação muito grande, novamente como o impacto do meteoro que extinguiu os dinossauros. Este evento único em um momento específico mudou o curso da História biológica da Terra de forma que todos os fósseis nos estratos acima da camada do impacto são diferentes. Estamos fazendo algo parecido hoje.
Um estudo publicado ontem na revista "Nature" dá conta de que o impacto da Humanidade é capaz de adiar em até 100 mil anos o início da próxima Idade do Gelo. O último ciclo glacial acabou há 11,7 mil anos. De acordo com os cientistas do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK), na Alemanha, seria esperado um novo período de esfriamento em algum momento no futuro, mas as emissões de CO2 com a queima de petróleo, carvão e gás estão levando a civilização a "pular" essa fase.
Zalasiewicz cita ainda como um sinal evidente da ação humana na Terra que chegará a um futuro distante a mudança provocada no ciclo natural do carbono pela queima de combustíveis fósseis. Segundo ele, a química das rochas denunciará alterações na forma como o carbono circulou pela Terra, com uma composição isotópica diferente do ciclo padrão de carbono, mostrando que algo aconteceu.
Computadores fossilizados
Na lista de evidências duráveis também está o que o grupo da ICS batizou informalmente de "tecnofósseis": restos fossilizados dos produtos tecnológicos. São rastros de plástico, cinzas, fuligem e concreto que serão reconhecidamente diferentes de tudo que existia ou aconteceu na Terra antes.
- Os pesquisadores no futuro podem não reconhecer um computador fossilizado, mas perceberão que o contorno de seu teclado, por exemplo, é muito diferente de uma concha ou osso fossilizado. Outra evidência durável é o concreto. O concreto vai se fossilizar muito bem. Cidades como Veneza, Xangai, Amsterdã ou mesmo o Rio de Janeiro estão em locais da crosta terrestre que estão afundando e deverão ser cobertas por sedimentos. Assim, podemos imaginar que porções destas cidades serão fossilizadas no futuro e farão parte do quebra-cabeça que deixaremos para as gerações de geólogos de um futuro distante.

Retrato de onde estamos
Rastros da civilização são ponto central de exposição que busca traçar rumos do planeta
Antes mesmo de ser uma divisão oficial do tempo geológico da Terra, o Antropoceno já é a peça central do Museu do Amanhã, inaugurado no início deste mês, na Praça Mauá. O conceito é ilustrado em seis totens com dez metros de altura que exibem textos e vídeos com informações sobre como a Humanidade se tornou uma força moldadora do planeta, muitas vezes por meio de processos que os cientistas veem como produtores das evidências que vão apoiar a adoção do Antropoceno pelos geólogos.
- Estamos num momento da História em que nossa civilização se tornou uma força moldadora em escala global, capaz de deixar marcas pelas quais geólogos do futuro, examinando as evidências de nossa época, poderão identificar a entrada em cena de um novo agente transformador do planeta - diz o físico Luiz Alberto Oliveira, curador do museu. - Assim, do nosso ponto de vista, embora a adoção oficial do Antropoceno seja uma questão importante, ela não é decisiva ou necessária para estabelecer o conceito.
Para Oliveira, ao ser escolhido como o retrato de "onde estamos" no percurso do museu, o Antropoceno também serve como alerta para os futuros possíveis da Humanidade e da Terra.
- É um passo decisivo para nossa civilização global compreender que, ao constituir-se, ela modifica o próprio planeta - considera. - Nós lançamos mais partículas na atmosfera, por exemplo, que a média dos vulcões. Então, não podemos mais ser ignorados, nem podemos mais ser ignorantes.
Assim, tanto para Oliveira quanto para o grupo de cientistas que avalia a teoria do Antropoceno, a designação oficial como a época que vivemos poderá ajudar a reforçar a luta por mudanças em nossas atitudes e modos de vida em favor da preservação de um planeta ainda capaz de sustentar nossa civilização.
- Esperamos que isso se torne um instrumento político numa época em que decisões precisam ser tomadas levando em conta o que é o planeta e o que é nossa existência hoje - avalia Oliveira. - Por isso, nossa postura na exposição não é otimista nem pessimista, mas realista dentro do que é possível, com as melhores projeções que a ciência pode oferecer. Mas se a gente espera que o Museu do Amanhã seja um indutor de reflexão sobre essas temáticas, não há a menor dúvida disso.
Numa linha de pensamento similar segue o professor Jan Zalasiewicz, da Universidade de Leicester, que preside o grupo internacional que estuda a adoção do Antropoceno:
- Nosso trabalho é estabelecer a realidade geológica por trás do conceito. E como isso é uma forma de descrever o impacto da atividade humana, pode ser usada para ajudar a gerir a forma como tratamos o planeta. (Cesar Baima)

O Globo, 04/01/2016, Sociedade, p. 22

http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/antropoceno-humanidade-como-u…

http://oglobo.globo.com/sociedade/ciencia/um-retrato-de-onde-estamos-no…

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