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Uma ferrovia fora dos trilhos

O Globo, Rio, p.16
30 de Abr de 2005

Uma ferrovia fora dos trilhos
FCA é reincidente em acidentes e deve plano de emergência à Feema há quase um ano
Há quase um ano, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema) pediu à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) que apresentasse seu plano de emergência em caso de acidentes. O pedido foi feito no dia 24 de maio do ano passado — depois que a empresa se envolveu em outros acidentes — e até hoje o órgão não recebeu nenhum relatório técnico por parte da FCA, informou ontem a presidente da Feema, Isaura Fraga. A empresa não quis comentar as acusações.
Além do acidente de quatro dias atrás, quando um trem da FCA, carregado de diesel, descarrilou em Porto das Caixas, distrito de Itaboraí, despejando mais de 60 mil litros de óleo no Rio Caceribu, a empresa já esteve envolvida em outros acidentes ecológicos de grandes proporções nos últimos dois anos. Em junho de 2003, a FCA foi responsabilizada por um acidente ambiental em Minas Gerais e acabou recebendo a maior multa aplicada no estado por crimes ambientais: R$10 milhões.
O caso aconteceu em 10 de junho de 2003, quando outro trem da empresa também descarrilou de madrugada próximo a Uberaba, no Triângulo Mineiro, provocando o vazamento de 867 mil litros de produtos tóxicos nos rios da região. O fornecimento de água para cerca de 300 mil pessoas chegou a ser interrompido na ocasião. O trem da FCA carregava produtos inflamáveis para uma empresa de fertilizantes de Uberaba. Doze vagões saíram dos trilhos. De acordo com o laudo do Corpo de Bombeiros, os vagões estavam carregados de octanol, metanol, isobutanol e cloreto de potássio e acabaram pegando fogo. Ninguém ficou ferido.
Em maio de 2004, explosão em Campos
Em outro descarrilamento, desta vez de um trem que transportava combustível de Campos para Macaé, três vagões com 60 mil litros de gasolina explodiram em Carapebus, no Norte Fluminense, em 10 de maio do ano passado. Ninguém ficou ferido. O acidente provocou a interdição da RJ-178, que liga Carapebus à BR-101. Toda a área num raio de 500 metros foi isolada, enquanto bombeiros de cinco quartéis da região tentavam resfriar os vagões que não foram atingidos pelo fogo. Horas depois da explosão, a FCA não sabia informar o que provocara o descarrilamento.
Em fevereiro do ano passado, o Rio teve uma manhã de trânsito caótico, depois que uma locomotiva da FCA com dez vagões acabou sendo atingida por uma betoneira.
A presidente da Feema pediu à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que faça uma auditoria na FCA para determinar se a empresa tem condições técnicas de continuar operando e de transportar cargas perigosas. Isaura Fraga solicitou também um relatório ao Corpo de Bombeiros para saber como a empresa, que nunca apresentou o plano de emergência exigido pela Feema, agiu imediatamente após o acidente da última terça-feira.
— Ficou claro que a FCA não tinha um plano de ação. Nós só fomos informados do acidente quatro horas depois. E, mesmo assim, por volta do meio-dia, é que a empresa, com a nossa ajuda, começou a instalar as bóias de contenção e a retirar as pessoas das casas — disse Isaura, referindo-se ao descarrilamento que ocorreu às 4h30m da madrugada.
Para a presidente da Feema, os danos ambientais poderiam ter sido muito menores se houvesse um plano de ação. Depois de atingir os rios Aldeia e Caceribu, o óleo chegou a uma das últimas áreas preservadas da Baía de Guanabara, a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim.
— Acidentes acontecem. Mas você tem que estar preparado para ele — comentou Isaura.
Ela disse que, ao meio-dia de terça-feira, todos os moradores ao longo do Rio Caceribu, no distrito de Itambi, continuavam dentro de suas casas, muitas delas alagadas pelo diesel, que é altamente inflamável e pode causar doenças graves em caso de contato direto e por horas seguidas.
O prefeito de Rio Bonito, José Luiz Mandiocão, propõe que a FCA só volte a usar o ramal que corta a cidade depois de apresentar todas as licenças ambientais que comprovem a sua capacidade de transportar produtos químicos.
O secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde, disse esperar que a empresa corrija erros para evitar novos acidentes.

Óleo já afugentou peixes e aves
Há quatro dias, desde o vazamento de mais de 60 mil litros de diesel, peixes, siris e aves desapareceram dos manguezais às margens do Rio Caceribu, na APA de Guapimirim. Estão, segundo os pescadores, fugindo do cheiro forte do óleo que toma conta da região. Até o momento, segundo o diretor da APA, Breno Herrera, só uma tartaruga apareceu morta às margens do rio. O animal vai ser examinado no laboratório de biologia da UFF.
Técnicos das empresas que estão trabalhando para a FCA na retirada do óleo coletaram amostras de água para análise química e biológica. As amostras serão estudadas pela UFF e por dois laboratórios particulares. Os primeiros resultados devem sair no início da semana. Ao navegar pelo Caceribu ontem, Herrera constatou indícios de que o diesel está entrando nos pequenos canais que ligam o rio ao Guaraí-Mirim e por isso orientou a instalação de barreiras de absorção em todas as vertentes.
O gerente-geral de Prevenção de Risco da FCA, José Geraldo Azevedo, disse que os técnicos estão trabalhando 24 horas por dia. Em Itambi, a empresa contratou a R$40 por oito horas de trabalho por dia 17 pescadores para auxiliar no trabalho. Com roupas apropriadas, eles ensacam as plantas aquáticas retiradas por uma escavadeira. Por causa do cheiro forte do óleo, alguns ficaram tontos e se sentiram mal.Para atenuar os problemas causados pela suspensão da pesca por dez dias, a FCA começou a distribuir ontem 1.250 cestas básicas de 18 quilos para os pescadores. O juiz Mauro Luiz Barboza concedeu ontem liminar obrigando a FCA a fornecer aos pescadores prejudicados um salário-mínimo por mês até que possam voltar ao trabalho.

Diesel atingiu futura estação ecológica
Acidente adiou audiência pública marcada para maio
Parte dos dois mil hectares da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim atingidos pelo óleo diesel que vazou de quatro vagões de trem que tombaram em Itaboraí na última terça-feira estava sendo pleiteada junto ao Ibama em Brasília para que fosse transformada em estação ecológica. Segundo o diretor da APA, Breno Herrera, esta área fica na vazante dos rios Caceribu, Guaraí e Guaxindiba e tem um terreno de manguezal primário, ainda intocado. Como estação ecológica, com regras de preservação mais rígidas, esta área permaneceria intocada, servindo de berço reprodutório para as espécies que vivem em seu entorno.
A APA tem 14 mil hectares. Por causa do acidente, a audiência pública para a criação da estação ecológica deverá ser transferida para o fim de maio.
— A audiência estava marcada para o início do mês. Mas agora, nossa prioridade é salvar a APA do óleo — disse Herrera.

O Globo, 30/04/2005, p. 16

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