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Uma expedição 'cirúrgica' no Amazonas

OESP, Geral, p. A11
28 de Fev de 2004

Uma expedição 'cirúrgica' no Amazonas
4 amigos médicos de Campinas realizaram 60 procedimentos em reserva indígena

Silvana Guaiume

Uma idéia, oito mãos, bisturis e pelo menos 40 indígenas que vivem numa reserva nacional na fronteira com a Colômbia voltaram a enxergar. Juntando o desejo de aventura com a vontade científica, quatro médicos de Campinas percorreram no começo do mês, de barco, 200 quilômetros Amazonas adentro para promover pequenas cirurgias nos habitantes da reserva indígena Alto e Médio Rio Negro.

Foram cerca de 60 procedimentos. Além de oftalmológicas, basicamente catarata e pterígio - uma pele que cresce sobre os olhos -, outras 14 cirurgias livraram pacientes de incômodas hérnias e 6 intervenções ortopédicas eliminaram antigas dores crônicas.

O ortopedista Ricardo Affonso Ferreira, seu primo, o anestesista Martin Affonso Ferreira, a ortopedista Paula Nívea Monte Carmelo Luchini e o oftalmologista Francisco Abdu Queiroz Mais formaram este ano a organização não-governamental Expedicionários da Saúde. Na expedição, tiveram apoio da Funai, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas (Susam), além de patrocínios de empresas. Também fizeram uma festa junina para arrecadar verba e tiraram dinheiro do próprio bolso para completar os custos, que somaram cerca de R$ 10 mil.
Na reserva vivem entre 25 mil e 30 mil indígenas, cerca de 10% dos nativos do Brasil, de 18 etnias. Assim que chegaram a São Gabriel da Cachoeira, o ponto de partida, os médicos foram apresentados aos líderes das tribos.

Verificaram uma hierarquia entre as etnias, que falam cinco línguas - tucano, aruaque, macu, ianomâmi e a língua geral, uma mistura de todas. Mas, embora haja a divisão de poder, a convivência é pacífica.

Em Iauaretê vivem 15 mil pessoas, 90% nativos e 10% de integrantes do Exército. Mas foi um longa viagem até ali, onde a equipe fez a maioria das cirurgias. Eles chegaram no dia 5 a Manaus, em vôo comercial. Embarcaram num avião bimotor para São Gabriel, com passagens doadas por uma empresa.

Seguiram então em três barcos pequenos por 200 quilômetros do Rio Uaupes, com o apoio de três enfermeiros da Foirn e um cirurgião-geral que atua em Iauaretê, o gaúcho Oscar Soares.

Em Taracuá, o grupo parou para passar a noite. De manhã, uma senhora de cerca de 70 anos pediu ajuda para uma dor crônica nas mãos. Os médicos diagnosticaram compressão de um nervo no túnel do carpo, improvisaram uma sala e operaram a mão esquerda dela. Outro paciente, vítima de catarata, também procurou a equipe. Por falta de estrutura em Taracuá, juntou-se à expedição para ser operado em Iauaretê.

Vírus - De passagem por Ipanoré, fizeram uma infiltração numa mulher que havia sofrido uma fratura no quadril, não tratada, que lhe rendeu inflamação crônica e um jeito torto de andar. "Vírus e bactérias são extremamente bobos na região. Qualquer remédio acaba com eles. Não são como os supervírus de áreas populosas", disse Ricardo.

A viagem seguiu até Iauaretê, cujo hospital é administrado pela Susam e pelo Exército. "Eles têm equipamentos bons lá, mas que estão estragando pelo pouco uso e a falta de manutenção. Embora o Oscar seja muito ativo, não pode fazer todas as cirurgias sozinho", contou Martin.

O grupo se hospedou em casas ao lado do hospital. Optou por levar comida de Campinas, basicamente arroz, macarrão, frutas secas e castanhas. Paula contou que os nativos consomem muito derivados de mandioca e peixes. O mais difícil foi driblar o calor de 40oC. "Bebíamos cinco litros de água por dia", disse Ricardo. Os banhos eram de rio.
A equipe pretende voltar ao local em setembro e promover duas expedições por ano. Em dois anos, acredita Ricardo, a demanda por cirurgias em Iauaretê deixará de existir. O grupo vai, então, desbravar outras reservas.

Antes de voltar para Campinas, os médicos ainda tiveram disposição para escalar o Monte Roraima, de 2.800 metros. Levaram dois dias para subir e dois para descer e permaneceram cinco dias acampados no topo. "É um lugar espetacular. O platô, de 70 quilômetros quadrados, tem piscinas naturais", disse Ricardo.

OESP, 28/02/2004, Geral, p. A11

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