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Uma dívida histórica

Jornal do Brasil-Rio de Janeiro-RJ
Autor: Mércio Pereira Gomes
12 de Fev de 2004

''Os índios foram o instrumento de quanto aqui se praticou de útil e grandioso; são o princípio de todas as nossas coisas; são os que deram a base para o nosso caráter nacional, ainda mal desenvolvido, e será a coroa de nossa prosperidade o dia da sua inteira reabilitação''.

Gonçalves Dias, 1849

Há 500 anos os mais de 600 povos que habitavam o território que hoje constitui a República Federativa do Brasil somavam cerca de 5 milhões de pessoas. Grosso modo, 1 milhão eram os tupinambás (com várias denominações locais) e os guaranis que viviam na Mata Atlântica e falavam um língua comum, conhecida como tupi-guarani; 3 milhões viviam na Floresta Amazônica, de modo mais intenso nas margens do grande rio; e 1 milhão nos cerrados, campos, agrestes, caatingas e pantanais, uma diversidade cultural e lingüística compatível com a nossa reconhecida diversidade biológica.

Os tupinambás e guaranis sofreram o peso demolidor do primeiro século de colonização. Uma grande parte morreu de doenças trazidas pelo europeu, especialmente a varíola e suas congêneres, bem como as doenças respiratórias; outra parte substancial foi assassinada em expedições de guerra a mando das autoridades da Coroa; e outra foi absorvida pela sociedade colonial como mestiços biológicos e mestiços culturais (que hoje constituem a base social da cultura brasileira).

Igual infortúnio e equivalente contribuição à formação da sociedade brasileira deram os índios do interior - genericamente chamados de tapuias, durante a Colônia - e os índios da Amazônia.

Ao final, por volta de 1955, restavam somente cerca de 120.000 índios. Muitos historiadores, cientistas políticos e antropólogos consideram que, do ponto de vista do índio, o processo colonial, como estrutura de dominação político-econômica e alienação cultural, continua até os dias de hoje. Estes afirmam ainda que essas estruturas se estendem não somente para a maioria do povo brasileiro, quanto para a nação brasileira em si diante do sistema econômico globalizante da atualidade.

Entretanto, algumas mudanças de longo alcance vêm se delineando no Brasil, nos últimos anos, e nos levam a crer que o processo colonial está nos seus estertores e que o quadro de injustiça vem sendo abalado em seus fundamentos ideológicos. Portanto, podemos projetar para um futuro próximo a realização daquilo que foi vislumbrado pelo sentimento poético de Gonçalves Dias, que enxergava o índio como a base de nossa formação sociocultural e indivíduo de fundamental importância para o engrandecimento da nação.

São sinais de novos tempos. Hoje existem no Brasil 220 povos indígenas que somam 410.000 pessoas, ou mais de três vezes a população de 40 anos atrás (atualmente, os índios crescem a uma taxa de 3,5% ao ano, apesar de ainda sofrerem uma alta mortalidade infantil). Soma-se a isso o fato de que, desde 1910, os governos brasileiros, baseados no apoio do povo brasileiro aos direitos indígenas, vêm reconhecendo e demarcando as terras indígenas - apesar das vozes minoritárias contrárias, que mal contêm seu espírito colonialista e sua infidelidade ao espírito aberto e generoso da cultura brasileira.

Já foram demarcadas 420 terras indígenas, faltando ainda cerca de duas centenas. Ao final desse processo, o Brasil terá 12,5% do seu território reconhecidos aos povos indígenas.

Haverá honra maior para um país do que resgatar dívidas históricas que lhe permitiram existir, crescer e se posicionar diante do mundo como um país novo?

O governo está encarando esse desafio com a humildade que a grandeza da tarefa exige; com abnegação e destemor diante das críticas - cujas confusas vêm de vários quadrantes. Sabe que o povo brasileiro está ao seu lado porque essa tarefa é essencial para a ascensão do país perante o mundo.

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