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Uma conferência pela vida

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: SILVA, Marina
26 de Fev de 2006

Uma conferência pela vida

Marina Silva

Em março , teremos em Curitiba mais uma reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O Brasil é uma espécie de pai dessa importante convenção internacional, dado que ela foi aberta para assinatura durante a Cúpula da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro.
A CDB entrou em vigor em 1993. Atualmente, tem 188 partes, ou seja, países signatários. No Brasil, teremos, então, a reunião da instância máxima da convenção: a oitava Conferência das Partes -COP-8. A CDB é, ainda, um importante guarda-chuva político, abrigando número expressivo de acordos ambientais internacionais. Ao ratificarem a convenção, as partes se comprometem a implementar medidas nacionais e internacionais para a conservação e uso sustentável da biodiversidade.
É bom lembrar que o Brasil detém a maior fatia da biodiversidade mundial -entre 15% e 20%. É o número um dos países megadiversos. As conseqüências econômicas desse fato são gigantescas. Metade do PIB brasileiro advém do uso direto ou indireto da biodiversidade por meio da agricultura, pecuária, pesca, aqüicultura, exploração florestal, silvicultura e turismo. Além disso, contamos com uma riquíssima sociodiversidade, com inestimável acervo de conhecimentos tradicionais.
Nesse contexto, temos o que apresentar como dever de casa sobre a proteção e uso sustentável da biodiversidade no Brasil? Não há dúvida de que sim. No governo do presidente Lula, nossa estratégia tem sido atuar para melhorar o processo de desenvolvimento, a conservação e o uso sustentado de recursos naturais. Como isso tem sido feito?
Considerando a conservação da biodiversidade, os dados são animadores. De 2003 para cá, foram criados 15 milhões de hectares em unidades de conservação somente na Amazônia. Isso corresponde a mais de 50% do total de toda a história brasileira. Em outros biomas, como a mata atlântica, o cerrado, o Pantanal e a caatinga, foram criados cerca de 700 mil hectares de áreas protegidas. E não foi de maneira aleatória. Na Amazônia, por exemplo, seguiu-se o propósito de proteger áreas sensíveis, estancar o avanço do arco do desmatamento, especialmente ao sul deste bioma, e apaziguar áreas de conflito.
Nem todas as áreas serão intocáveis. Combinou-se a proteção integral com o uso sustentável, tais como reservas extrativistas, florestas nacionais e áreas de proteção ambiental. É o disciplinamento do uso do solo.
É necessário dizer também que uma ação conjunta de diversos ministérios, por meio do Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento, derrubou, significativamente, os índices de desmatamento na Amazônia. A queda foi de 31%, representando uma crescente capacidade do aparato governamental no controle de nossos recursos naturais. Somam-se a essas ações de comando e controle ambiental os incentivos a uma nova visão do desenvolvimento.
O manejo florestal, por exemplo, ganhou um impulso importante com a proposição e aprovação da Lei de Florestas Públicas. Pelos mecanismos dessa lei, a União poderá realizar concessões de florestas públicas para a extração sustentável de madeira, corrigindo o rumo histórico de extração ilegal e destruição.
O primeiro distrito florestal já foi criado, ao sul do Pará, com 16 milhões de hectares, dos quais cerca de 4 milhões poderão ser utilizados em manejo sustentado. Trata-se de um novo marco para o meio ambiente e para a economia, traduzindo, na prática, o termo desenvolvimento sustentável. Possibilitará a criação de 100 mil novos empregos, que estarão atuando com a natureza, e não contra ela.
Ainda nessa linha, lançamos recentemente um dos maiores editais do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Serão R$ 16 milhões em assistência técnica e extensão rural para agricultores familiares atuarem nos manejos florestais comunitários.
O conjunto de ações que permitiu a execução antecipada de controle territorial na área de influência da BR-163 é paradigmático para o Brasil. Antes de conceder a licença para asfaltamento da Cuiabá-Santarém, foram executados os planos de controle para evitar a tradicional degradação que se segue às grandes obras de infra-estrutura no Brasil. Certamente, as próximas grandes obras de infra-estrutura deverão se guiar por esse modelo.
Não se pode deixar de citar as ações relativas à moralidade pública, que resultaram na prisão de 240 pessoas -entre empresários, despachantes e funcionários públicos- que atuavam diretamente no crime organizado do desmatamento ilegal. Diversas operações da Polícia Federal com o Ibama permitiram desmontar verdadeiras quadrilhas da devastação.
Esses resultados demonstram que persistência é fundamental na implantação de políticas estruturantes para melhorar progressivamente a conservação ambiental, implantar um desenvolvimento em base sustentável e ampliar a inclusão social. A realização da COP-8 no Brasil fortalece as iniciativas brasileiras em curso e contribui ativamente na construção de um mundo que considere o direito das gerações futuras e de todas as formas de vida.

Marina Silva, 48, historiadora, é ministra do Meio Ambiente.

FSP, 26/02/2006, Tendências/Debates, p. A3

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