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Uma casta inteira na cadeia: como so ocorre nas revolucoes, metade a elite de Roraima foi para o xilindro

Veja, Brasil, p.52-53
03 de Dez de 2003

RoraimaUma casta inteira na cadeia
Como só ocorre nas revoluções, metade da elite de Roraima foi para o xilindró
Malu Gaspar
Na semana passada, uma multidão curiosa reuniu-se em frente à Cadeia Pública de Boa Vista, capital de Roraima. Houve gente que faltou ao trabalho apenas para bater ponto no local. Todos queriam acompanhar a chegada dos camburões e, sobretudo, conhecer os mais novos presos – figuras ilustres do Estado. Foi um espetáculo que só costuma acontecer em períodos convulsionados por revoluções. Mas, sem revolução nenhuma, uma casta inteira de Roraima foi parar atrás das grades, sob os aplausos dos cidadãos comuns. O deputado Antonio Mecias de Jesus, presidente da Assembléia Legislativa de Roraima, amargou a prisão de sua mulher, seu sogro e seu cunhado. Sete ex-deputados estaduais foram parar no xilindró, além de dez parentes de deputados ainda no exercício do mandato. A esposa de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado está presa. O encarcerado mais ilustre é o ex-governador Neudo Campos, capturado em Brasília, em sua mansão no Lago Sul, e levado para Boa Vista, sob escolta de policiais federais. Até sexta-feira, 43 pessoas haviam sido presas. Ainda faltava encontrar doze foragidos. Entre eles, três ex-deputados estaduais, um vereador e parentes de políticos.
A operação que levou parte da elite de Roraima para a cadeia é resultado da descoberta de um escândalo voraz. Uma investigação revelou que, entre 1998 e 2002, o governo de Roraima empregou cerca de 5.000 funcionários batizados de "gafanhotos", numa referência ao inseto que come folhas – no caso, folhas salariais. A maioria dos gafanhotos eram servidores públicos, mas nem sabiam disso. Eram pessoas humildes, algumas analfabetas, que assinavam documentos cujo conteúdo desconheciam. Na verdade, eram contratos de trabalho e procurações para terceiros, com poderes para receber seus salários. A partir daí, os tais procuradores se encarregavam de, todo fim de mês, ir ao caixa do Estado para retirar o salário do gafanhoto. Havia procuradores que sacavam o salário e davam apenas um troco ao gafanhoto, e ainda aproveitavam para se passar por almas caridosas, merecedoras, portanto, do voto da vítima na eleição seguinte. Em outros casos, os procuradores embolsavam 100% da remuneração e deixavam o gafanhoto à míngua.
De acordo com a contabilidade dos investigadores, os gafanhotos chegaram a formar uma massa de 5.000 pessoas. É um número altíssimo num Estado cujo funcionalismo público é composto de 42.000 servidores. Mas os procuradores, aqueles que realmente embolsavam o dinheiro, não passavam de sessenta pessoas. Eles é que começaram a dormir na prisão na semana passada. Estima-se que, no período em que a mutreta vigorava, os envolvidos surrupiaram cerca de 70 milhões de reais por ano dos cofres públicos, quantia que corresponde a 10% do orçamento anual de Roraima. O ex-governador Neudo Campos, em cujo mandato a gafanhotada começou a aparecer, nega as acusações de envolvimento na fraude. Em sua casa, em Brasília, foram apreendidos mais de trinta sacos de documentos, computadores, agendas e um cofre, que podem ajudar a esclarecer detalhes do esquema. O atual governador, Flamarion Portela, diz que não tem nenhum envolvimento com o caso. De fato, não existe acusação alguma contra Portela, nem mandado de prisão. Portela foi vice de Neudo Campos, no auge da fraude. Nos meses em que Portela substituiu Campos no ano passado, a gafanhotada cresceu muito.
"Eu não participava efetivamente do governo. Ouvia rumores, mas desconhecia por completo a dimensão de como a coisa era feita", afirmou o atual governador na última semana. A investigação da Polícia Federal, no entanto, incluiu em seus relatórios internos suspeitas de que alguns dos assessores do governador participavam do esquema. Há dois meses, depois que VEJA publicou uma reportagem apontando "a dimensão da coisa", o governador informou à revista que demitiria todos os auxiliares suspeitos. Como não o fez, teve de passar pelo constrangimento, na semana passada, de assistir à prisão de alguns assessores e à fuga de outros. Seu diretor do Instituto de Pesos e Medidas, o deputado licenciado Herbson Bantim, foi preso. Um ex-deputado que também trabalhava no instituto está igualmente no xadrez. Seu diretor de Polícia Judiciária, o ex-deputado estadual Angelo Paiva de Moura, encontra-se foragido, assim como uma assessora de seu gabinete, a ex-deputada Francisca Aurelina. Em Roraima, ao que tudo indica, a temporada dos gafanhotos agora é atrás das grades e não em cima das folhas de salário do Estado.

Veja, 3/12/2003, p. 52-53

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