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"Uma busca pelo reconhecimento"

Jornal de Fato-Mossoró-RN
Autor: Itaércio Porpino
12 de Jun de 2005

No próximo dia 15, um abaixo-assinado será entregue em
Audiência Pública na Assembléia Legislativa,
solicitando o reconhecimento enquanto comunidades
indígenas
Distante 12 Km da zona urbana de João Câmara, fica uma
pequena comunidade indígena. Com sua população de dois
mil habitantes, não é a única do RN, mas a maior.
Estando no município, é fácil chegar lá. Basta
perguntar onde é a comunidade do Amarelão, ou então
dos Mendonça. Melhor não perguntar sobre índios, pois
dificilmente algum morador da cidade saberá informar
sequer da existência deles.
Isso porque as famílias do Amarelão, assim como as de
outros agrupamentos indígenas do RN, não conservaram
um só traço cultural de seus antepassados. São
famílias rurais pobres como outras quaisquer do
Estado, excluídas de políticas públicas e com o
agravante de não mais possuírem terras. A falta de
memória histórica é tamanha que muitos não se
auto-identificam como índios, contribuindo ainda mais
para a idéia do total desaparecimento dos indígenas
norte-rio-grandenses.
Entretanto, uma minoria consciente de suas origens,
aliada a pesquisadores e professores ligados ao
Departamento de Antropologia da UFRN vêm, há pelo
menos cinco anos, tentando mudar isso. Alguns avanços
têm sido conseguidos: no próximo dia 15, em Audiência
Pública na Assembléia Legislativa, representantes dos
Eleotérios do Catu (Canguaretama), Mendonça do
Amarelão (João Câmara) e Caboclos do Riacho (Assu)
entregarão um abaixo-assinado às autoridades,
solicitando o reconhecimento enquanto comunidades
indígenas.
Além do respeito, os grupos buscam a inclusão social.
Se for feita uma pesquisa para levantar informações
sobre saúde, educação, rendimento, domicílios e
trabalho de crianças e adolescentes, vai se chegar a
dados alarmantes. Para se ter uma idéia do alto índice
de analfabetismo nas comunidades, a maioria dos jovens
com mais de 20 anos não sabe ler nem escrever.
Coordenada pelo deputado estadual Fernando Mineiro
(PT) e organizada pelo Grupo Paraupaba de Estudos da
Questão Indígena do RN, a audiência é mais um passo
para dar visibilidade aos poucos índios que ainda
vivem no Estado. "A história já está mudando. Quem
estava invisível, se torna um assunto pontual, passa a
ser visto com mais atenção e respeito. Esse evento é
importante para que o assunto se torne público", diz a
mestranda em Antropologia Cultural Jussara Galhardo,
que desde 2001 faz pesquisas etnográficas junto à
comunidade do Amarelão.
Jussara Galhardo entende que ainda há muitas questões
obscuras no que tange à trajetória dos indígenas
potiguares. Para ela, a historiografia tradicional não
acompanhou a migração e por isso considera as
comunidades de índios extintas.
Desde a guerra dos Índios, também conhecida como
guerra dos Bárbaros (ocorrida no século XVII), eles
foram considerados dizimados. Jussara e outros
estudiosos não aceitam isso.
Embora apenas uma parte dos moradores do Amarelão se
reconheçam como índios, todos no Amarelão se dizem
Mendonça, mesmo sem ter o sobrenome. A união é grande
e eles estão sempre ligados à terra, ao local onde
nasceram. Os Mendonça estão ali há pelo menos dois
séculos.
De acordo com números do IBGE, em 1991 havia 396
pessoas que se identificavam como indígenas no Rio
Grande do Norte, já em 2000, afirmaram ter essa
descendência 598 potiguares. No mesmo período, o
número de indígenas no País cresceu de 294.135 para
701.462, ou seja, 138% em nove anos.
"Esse aparente crescimento está ligado ao processo de
conscientização. Na verdade, acho que não houve
aumento no número de indígenas. Diminuiu o medo,
diante do preconceito, de se admitir índio", diz
Jussara Galhardo.
Na comunidade dos Eleotérios do Catu, em Canguaretama,
são, segundo a pesquisadora, 800 pessoas. As famílias
vivem com muita dificuldade pelo fato de terem perdido
suas terras. Elas convivem ainda com a poluição.
Sobrevivem basicamente da cultura de subsistência.
Caboclos do Riacho, em Assu, é a menor comunidade, com
180 pessoas. As famílias não possuem terras, por isso
trabalham em propriedades de outros, em sistema de
"meia". Não há escola nem posto de saúde no povoado.

Polêmica sobre a existência de índios
Embora pesquisadores e professores ligados à
Antropologia defendam a idéia da existência de
populações de índios no RN, a informação predominante,
com base na História, é a de que não existe no Estado
comunidade que se auto-identifique indígena.
É o que diz a professora Fátima Lopes, do Departamento
de História da UFRN, cujas teses de mestrado e
doutorado enfocam o processo de implantação das
Missões Jesuítas e das Vilas Coloniais no RN,
respectivamente.
A professora fala que o último reduto do povo
potiguara localiza-se na divisa do Rio Grande do Norte
com a Paraíba, na cidade de Baia da Traição.
Entretanto, os dados que dão conta do destino dos
primeiros donos das terras do Rio Grande do Norte e de
seu desaparecimento não são muito precisos, segundo
Fátima Lopes.
"De acordo com informações de Jesuítas, datadas do
início da colonização ao século 18, havia uma grande
quantidade de índios na região litorânea de nosso
Estado. Só nas imediações de Natal, eram cerca de 6
mil nativos em aproximadamente cem aldeias", diz
Fátima.
A professora conta que no início da colonização, os
Jesuítas adentraram pelo litoral e depois no interior
acompanhados de grande poder militar, combatendo os
temidos guerreiros potiguaras com ordens expressas
para aniquilar toda e qualquer resistência.
"De acordo com anotações dos jesuítas, em 1603 havia
64 aldeias potiguaras na mesma região - 26 aldeias a
menos. Em 1613, dez anos depois, os índios estavam
restritos a apenas oito aldeias que, segundo afirma
Pero de Castilla, não passavam de aldeotas. Em 1920,
Domingos da Veiga, um conhecido comerciante da região,
relata a existência de apenas quatro aldeias
potiguaras e, por fim, Câmara Cascudo afirma que já no
século 19 não havia mais comunidades indígenas no
Estado do Rio Grande do Norte".
De acordo com a professora, os principais motivos para
o desaparecimento dos índios no RN foram as guerras.
Os índios da etnia potiguara eram valentes guerreiros
e de forte poder de resistência, o que muito
dificultava a colonização portuguesa. Nas muitas
incursões dos Jesuítas e de companhias militares pelas
aldeias, todos os guerreiros eram mortos e os que
sobreviviam, na maioria mulheres e crianças, eram
enviados a Pernambuco e à Paraíba para trabalhar nos
engenhos.
"Quando os portugueses finalmente conquistam a
Capitania do Rio Grande, Mascarenhas Homem e Feliciano
Coelho fazem 1.500 prisioneiros, a maioria mulheres e
crianças. As mulheres eram preservadas porque cuidavam
das plantações e realizavam o trabalho do campo, e as
crianças porque podiam ser catequizadas e convertidas
ao serviço católico", conta Fátima Lopes.

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