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Um voto de estadista (IV)

CB, Direito & Justiça, p. 8
Autor: SOUZA, Carlos Fernando Mathias de
22 de Mar de 2010

Um voto de estadista (IV)

Carlos Fernando Mathias de Souza
Vice-reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), professor titular da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil.

A proteção ao meio ambiente, uma das diretrizes básicas da Constituição de 1988 (que lhe dedica todo um capítulo - o VI, do Título VIII, que, como se sabe cuida da Ordem Social) é objeto de três das dezoito condições referentes ao usufruto dos índios sobre suas terras, expressas no extraordinário voto do magistrado e professor Carlos Alberto Menezes Direito (Petição 3.368-4/RO).

A oitava, como bem sabido, preocupou-se com o usufruto dos índios em área afetada por unidades de conservação, deixando claro que ele é restrito ao ingresso, trânsito e permanência (bem como à caça, pesca e extrativismo vegetal), tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficou sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.

E, ainda a tal Instituto (é o que se extrai da letra expressa da condição de n IX) cabe responder pela administração da área da unidade da conservação também afetada pela terra dos índios com a participação das comunidades indígenas da área em caráter apenas opinativo, levando-se em conta suas tradições e costumes, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai.

Desnecessário gastar-se muita tinta e letra para dizer do alcance de tais manifestações que têm caráter apenas opinativo e tampouco assinalar que poder é verbo que, em direito, indica mera faculdade.

Outra coisa, contudo, é o ingresso, o trânsito e a permanência de não índios no restante da área de terra indígena (que não envolva espaço definido como unidade de conservação, repise-se o óbvio).

Em tal caso, coerentemente, quem deve estabelecer as condições é a Funai, como, aliás, está expresso na décima primeira condição.

Por outro lado, ficou defesa a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza, por parte das comunidades indígenas, no particular.

Ademais, pela condição enunciada de número XIII, também não poderá ser cobrada ou exigida tarifa (ou quantia de qualquer natureza), em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia e instalações (ou quaisquer equipamento outros) colocados a serviço do público.

Por outra parte, recorde-se que, a teor do art. 231, § 2, da Constituição, as terras indígenas destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Ipso facto, não pode haver qualquer ajuste (arrendamento, por exemplo) que restrinja o pleno exercício da posse direta pelos índios.

Tal condição foi estabelecida, de modo inequívoco, no item XIV das salvaguardas, diga-se assim: "As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas (art. 231, § 2, Constituição Federal, c/c art.
18, caput, Lei n 6.001/1973)".

Ainda com base no art. 231, § 2, da Lei Fundamental de 1988, combinado com a Lei n 6.001/73, § 1, foi enunciada a condição XV, que estabelece: "É vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa".

Nas condições em tela, não foi descurada, naturalmente, a plena isenção tributária (aproximando-se até de uma imunidade), sobre os bens do patrimônio indígena, que passam obviamente, pelo usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas.

Assim, não cabe a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros. É o que está na condição que tomou o n XVI.

Como é de sabença geral, o voto de Mestre Carlos Alberto Direito, com apoio na Constituição, acolheu a tese do fato indígena, isto é, a ocupação das terras que os índios tradicionalmente ocupavam e estavam ocupando em 5 de outubro de 1988 (evidentemente, a data da promulgação da Carta de 1988), e não a do indigenato.

Uma vez demarcadas as terras indígenas, não podem - é natural - ser ampliadas, até mesmo em atenção à certeza e segurança jurídicas, apanágios do direito.

Assim, a condição do n XVII fixou: "É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada".

Por último, tem-se a condição XVIII, do voto de estadista, que tão bem harmonizou os mandamentos constitucionais, em particular, sobre o usufruto das terras indígenas, a proteção ao ambiente e as terras de fronteira e, ainda, sem descurar disposições essenciais da legislação infraconstitucional - como não poderia deixar de ser.

Nunca é demasiado acentuar que a Constituição define os bens da União, em seu art. 20, entre os quais "as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei" (inciso II); "os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais" (inciso III); "as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países (...)" (v. inciso IV); "os recursos minerais, inclusive os do subsolo" (inciso IX), e "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" (inciso XI).

Sobre essas últimas citadas terras, os índios têm a posse permanente, assegurado-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, a teor do art. 231 da Lei Maior, e, em particular, do seu § 2, repita-se uma vez mais.

Acrescente-se que a Constituição prescreve, no seu art. 231, § 4, que essas terras (da União, repita-se) são inalienáveis e indisponíveis e, de igual modo, os direitos que os indígenas têm sobre elas são imprescritíveis. Em outras palavras, essas terras da União, ocupadas pelos índios (daí dizer-se terras indígenas) por eles devem ser utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais, necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Daí terem os indígenas a posse.

No exercício dessa posse permanente, cabe-lhes, ainda, o usufruto exclusivo das riquezas do solo (e não, evidentemente, das do subsolo) e dos rios e lagos nelas existentes.

Tudo o que se referir a aproveitamento de recursos hídricos, pesquisa e lavra das riquezas minerais, somente pode ser efetivado mediante autorização do Congresso Nacional.

Fácil, pois, entender-se a décima oitava condição, que, com apoio, inclusive, no art. 231, § 4, da CF, diz que "os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis."

CB, 22/03/2010, Direito&Justiça, p. 8

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