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Um terço das cestas básicas destinadas a indígenas na Amazônia ainda não chegou, diz ONG

O Globo - https://oglobo.globo.com/sociedade
03 de Jul de 2020

Um terço das cestas básicas destinadas a indígenas na Amazônia ainda não chegou, diz ONG
Governo alega dificuldade no transporte fluvial e promete concluir entrega até fim de julho

Cleide Carvalho
03/07/2020 - 00:01

SÃO PAULO - Prestes a se completarem quatro meses do início da pandemia causada pelo coronavírus, comunidades indígenas ainda enfrentam dificuldades para conter a transmissão da doença e até mesmo garantir a segurança alimentar. Um levantamento feito pela ONG Hivos mostra que cerca de um terço das cestas básicas destinadas aos povos indígenas na Amazônia Legal não foram entregues até o fim de junho. A região deveria receber 130 mil cestas básicas.
Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. a distribuição é feita em parceria com a Funai, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Fundação Cultural Palmares (FCP). No total, são 323 mil cestas de alimentos para povos e comunidades tradicionais em todo o país. Pelas contas do Ministério, a Amazônia Legal já recebeu 67% das cestas destinadas aos nove estados da região.
Perguntado sobre a distribuição na Amazônia, o Ministério atribui a demora às dificuldades do transporte fluvial, que está com fluxo reduzido durante o período de pandemia, e ao recebimento de produtos oriundos de outros estados. "Esse cenário vem trazendo complexidade à operação na realização das entregas em toda a região", informou a pasta em nota, acrescentando que até o fim deste mês a distribuição estará concluída.
A distribuição se mostra irregular. Levantamento feito pela Hivos com base em dados da Funai mostra que os indígenas de Roraima só receberam 2.101 das 9 mil cestas básicas aguardadas no estado até o dia 23 de junho. O estado abriga 31 terras indígenas, além da Ianomâmi. Líder indígena no estado, Mario Nicácio Wapichana afirma que é impossível para as comunidades obter informações corretas sobre as entregas.

- Não temos participação na distribuição e as informações são desencontradas - diz Mario.

Segundo dados da Conab, até o último dia 29 faltavam ser distribuídas 88% das cestas no Tocantins e 53% no Maranhão. A planilha do órgão mostrava ainda dificuldades em outras regiões, com 68% das cestas não entregues em Santa Catarina, 83% no Mato Grosso do Sul e 65% no Ceará.

Até o último dia 30, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) registrava 7.379 casos da doença, com 358 mortes. Uma ação foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal para exigir que o governo tome providências mais eficazes para o controle da infecção em terras indígenas de todo o país e ainda aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro o Projeto de Lei 1142, aprovado pelo Congresso e que estabelece medidas de prevenção por meio do Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas. Remetido ao Planalto em 18 de junho, o projeto tem até terça-feira para ser apreciado pelo presidente.
A entrega das cestas básicas foi prevista em duas medidas provisórias editadas pelo governo para liberar gastos extras durante a pandemia, beneficiando camadas mais vulneráveis da população. No total, foram liberados R$ 63,3 milhões para serem utilizados pela Funai e pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A distribuição de alimentos ajudaria a manter os indígenas nas aldeias, evitando que se desloquem para receber o auxílio emergencial de R$ 600 a que têm direito.

Um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), entidade não governamental que desde 1979 avalia o uso dos recursos públicos, mostra que os gastos com saúde indígena diminuíram de R$ 1,7 bilhão em 2018 para R$ 1,4 bilhão no ano passado. O fim do programa Mais Médicos, segundo o Inesc, também afetou as comunidades indígenas, uma vez que 56% dos postos de atendimento eram ocupados por médicos cubanos e muitos não foram substituídos.
Leila Saraiva, assessora política do Inesc, avalia que o problema da saúde indígena não é exatamente a falta de recursos. Muitas vezes, os órgãos de apoio às comunidades indígenas têm verbas, mas não as usam.

Em abril, por exemplo, no auge da disseminação do coronavírus, as ações de saúde indígena somaram R$ 173 milhões, menos do que os R$ 249 milhões utilizados em abril de 2019. Em maio, o problema se repetiu: a execução foi de R$ 51,5 milhões, abaixo dos R$ 96,1 milhões usados em maio do ano passado.

- É um choque. Tivemos menos recursos efetivamente usados num momento em que a pandemia exigia muito mais ações de proteção aos indígenas - diz Leila.

A especialista afirma que também a Funai não usa a totalidade dos recursos aprovados. Cita como exemplo a coordenação do órgão no Alto Solimões, uma das regiões mais afetadas pela Covid-19, que atende 76 mil indígenas. Do total de R$ 1,62 milhão de recursos empenhados, até o dia 16 de junho apenas R$ 258 mil haviam sido efetivamente pagos. A coordenação, segundo ela, tem apenas 20 funcionários, dois quais apenas um é indigenista e tem curso superior.
- É pouca gente para a tarefa de proteger comunidades indígenas em áreas de difícil acesso. É preciso mão de obra especializada para discutir as ações necessárias. Num período com pandemia, temos o pior dos cenários - avalia a especialista.

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