VOLTAR

Um século de água

Isto É, Brasil, p. 32-35
30 de Nov de 2005

Um século de água
Nova usina hidrelétrica do Distrito Federal irá garantir energia para os pontos-chave do poder e abastecimento de água pelos próximos 100 anos

Chico Silva - Luziânia (GO)

Dona Gasparina Elena Campos tem um sonho, quase uma obsessão. Aos 63 anos, essa mineira da pequena Carmo do Paranaíba deseja ardentemente juntar as mãos em forma de concha, abrir o registro e matar a sede com a água vertida de uma torneira. O gesto, simples e corriqueiro para milhões de brasileiros atendidos por uma rede de água, é hoje uma utopia para ela, sua família e seus 2,5 mil vizinhos do condomínio Moradas da Serra, situado em Sobradinho, uma das principais cidades-satélites de Brasília. Ao contrário de alguns outros lugares do País, no Distrito Federal o termo condomínio nem sempre está associado a conjuntos residenciais de alto padrão, como Aldeia da Serra e Granja Viana, em São Paulo, e Laranjeiras e Golden Green, no Rio de Janeiro. Frutos da ocupação desenfreada e da invasão de áreas públicas e privadas, a grande maioria dos condomínios situados no entorno do Plano Piloto nasceu sem rede de água e esgoto. A pouca água disponível vem da escavação de poços artesianos. Já o esgoto vai desaguar nas fossas sépticas, muitas delas cavadas próximas aos poços. Daí o desalento de dona Elena. "A gente tem sofrido demais. Nós não usamos água. Usamos lama. Isso quando tem", diz a dona-de-casa. Mas o drama de dona Gasparina está chegando ao fim.
Se tudo correr como o previsto, no dia 17 de dezembro entra em operação um dos maiores projetos da administração Joaquim Roriz (PMDB). Ele atende pelo nome de Corumbá IV, uma usina de uso misto que irá gerar energia elétrica e, principalmente, garantir o abastecimento de água no Distrito Federal. Situada no rio Corumbá, na altura do município de Luziânia, em Goiás, a construção custou R$ 600 milhões, parte dos recursos vindos de empresas do governo e da iniciativa privada do DF e de financiamento do BNDES. Corumbá IV terá capacidade para gerar 76 megawatts médios, o correspondente a 15% da demanda total de Brasília. Parece pouco. Mas hoje o DF depende inteiramente da energia produzida por Furnas e Itaipu. Em caso de uma pane no sistema, a cidade ficaria às escuras, comprometendo a segurança do centro político e nervoso do País. Com a entrada da nova hidrelétrica em funcionamento, os pontos nevrálgicos da capital federal não correriam o risco de ficar sem energia num apagão. Para o presidente da Companhia Energética de Brasília (CEB), Rogério Villas Boas, três pontos justificam a construção da nova geradora de energia do Planalto Central. "Além de manter a inteligência do País ligada, eu terei uma energia de ótima qualidade e os royalties da operação ficarão aqui no próprio Distrito Federal", diz Villas Boas, que nas horas vagas disputa freadas e aceleradas com o amigo Nelson Piquet. O filho do tricampeão, Nelsinho Piquet, é piloto patrocinado pela CEB.
Grandeza - A importância de Corumbá IV não é só por iluminar Brasília, mas também pelo papel relevante no abastecimento da capital. Para a felicidade de dona Elena essa será sua principal destinação. O objetivo do governo do Distrito Federal é de num prazo de três anos construir estações de captação e tratamento para utilizar os 3,5 bilhões de metros cúbicos armazenados no gigantesco reservatório da usina. O volume equivale a quase duas baías da Guanabara, a referência hidrográfica nacional. O lago formado com o represamento do rio atinge uma superfície de 173 quilômetros quadrados, o correspondente a cinco lagos Paranoás, o mais famoso do Distrito Federal.
O consumo de Brasília hoje é estimado em sete mil litros por segundo. Estudos revelam que o sistema Corumbá, sozinho, é capaz de produzir 11 mil litros por segundo. Além da vazão, outro ponto de destaque é a qualidade do produto servido à população. A região é conhecida como o berço das águas. Suas puras nascentes formam algumas das principais bacias hidrográficas do País. "O novo sistema será capaz de garantir água para Brasília e o entorno pelos próximos 100 anos", afirma Fernando Rodrigues Ferreira Leite, presidente da Companhia de Águas e Esgotos de Brasília (Caesb). A nova usina é o complemento de uma série de obras que buscam acabar com o sofrimento de pessoas como dona Elena. As principais foram a construção de duas grandes estações de tratamento de esgoto, que ajudaram a despoluir a bacia do Corumbá e conseqüentemente a melhorar a qualidade de sua água para captação. Hoje, segundo dados oficiais, o Distrito Federal tem 98% da população atendida com água encanada e 93%, com rede de esgoto. O objetivo da administração Roriz é nos próximos anos atingir a meta de 100%.
A entrada em operação de Corumbá IV é essencial para a meta. Para que isso de fato aconteça só falta uma mãozinha de São Pedro, que precisa mandar mais água para encher o grande lago, e resolver algumas pequenas pendências com o Ibama. A partir daí, dona Elena poderá contar os dias para finalmente matar a sua sede tomando uma boa e gostosa água de torneira. "Vai ser uma maravilha. Estava achando que ia morrer sem realizar esse desejo." Vira essa boca para lá, dona Elena!

Isto É, 30/11/2005, Brasil, p. 32-35

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.