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Um passo para trás

Veja, Especial, p. 108-109
19 de Nov de 2014

Um passo para trás
Referência em sustentabilidade, o Brasil pode passar vergonha ao derrapar no combate à destruição de biomas. Exemplo ruim: o crescente desmatamento da Amazônia

Raquel Beer

O Brasil é reconhecido como referência em sustentabilidade. O país extrai 77% de sua energia de hidrelétricas, fonte considerada limpa. Desde a década de 70, o programa de biocombustível nacional, copiado por sessenta países, fez com que nos tornássemos a nação que mais substituiu gasolina por etanol. Após quarenta anos de destruição da Amazônia, novos sistemas de fiscalização reduziram drasticamente o desmate. As boas notícias param aí. Descuidos e inépcias recentes puseram em risco o status brasileiro de respeito ao conservacionismo ambiental. Houve um vergonhoso passo para trás no desmatamento da Amazônia.

Dados do Ibama divulgados em outubro revelaram que o desmatamento voltou a crescer na Amazônia. Entre 2012 e 2013, o aumento foi de quase 30%. Se a devastação continuar nesse ritmo, em quarenta anos o bioma mais rico da Terra pode se transformar em um grande pasto. O resultado seria a destruição da fauna e da flora e o descontrole dos regimes de chuvas, com impacto global.

Em estudo recente, o geofísico Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, revisou 200 artigos científicos sobre os efeitos da destruição da floresta e concluiu que para reverter a perda é preciso não apenas zerar a devastação, mas começar o reflorestamento. O bioma, além de ser um ecossistema riquíssimo, é responsável por regular o clima na América do Sul, por meio do "bombeamento de água", processo pelo qual as árvores, ao transpirar, enviam vapor de água à atmosfera. Isso diminui a pressão atmosférica, aumenta a velocidade de ventos do oceano para o território e leva nuvens carregadas por 3 mil quilômetros. É uma contribuição direta para chuvas no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil e em áreas da Argentina, da Bolívia e do Paraguai. O desmatamento, no entanto, diminui a intensidade desse processo, o que constitui um atalho para secas cada vez mais intensas.

A retomada do aumento do desmatamento não é nossa única vergonha. No começo de novembro, um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicou na revista científica Science um artigo que revela quanto o Brasil tem queimado o próprio filme quando o assunto é sustentabilidade. Entre outros pontos, o documento destaca que desde 2008 o país perdeu 44 mil quilômetros quadrados de áreas de conservação. Ainda circula pelo Congresso um projeto de lei destinado a liberar 10% dos territórios protegidos para atividades de mineração.

Só na Amazônia, 21 mil quilômetros quadrados de reservas estão ameaçados com propostas para tirar-lhes o atual status de conservação. Alertou Joice Ferreira, bióloga da Embrapa e coordenadora do artigo da Science: "Se nem conseguimos proteger áreas que prometemos preservar, será cada vez mais inviável manter nosso papel como símbolo de sustentabilidade". Ao expor essa fragilidade, o Brasil faz água.

A CURVA DA DEVASTAÇÃO
A boa notícia: na última década, esforços conservacionistas diminuíram o desmatamento na Amazônia. A má: falhas no monitoramento levaram ao aumento da devastação no ano passado. Se o ritmo de destruição continuar assim, o mais rico ecossistema do planeta poderá deixar de existir em quarenta anos.

Veja, 19/11/2014, Especial, p. 108-109

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