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Um país com dias contados

O Globo, Planeta Terra, p. 9-11
22 de Nov de 2011

Um país com dias contados
Cercado pelo oceano em expansão e castigado por seca histórica, Tuvalu pode sumir do mapa neste século, devido à mudança do clima

Renato Grandelle
renato.grandelle@oglobo.com.br

Em Tuvalu, diz-se que tudo vem da água. É dali, com a pesca, que a maioria das famílias tira seu sustento. É no mar, entre jogos e disputas de natação, que crianças e adultos se divertem. E, de uns anos para cá, também é do oceano que vem a preocupação.
Ninguém sabe ao certo o ritmo de avanço do Pacífico Sul sobre os atóis tuvaluanos. As medições são recentes demais para servir em previsões - foram iniciadas em 1993, e os cientistas sentem-se à vontade apenas para cálculos onde há, no mínimo, meio século de estatísticas. Não há dúvidas, no entanto, que o mar avança a uma velocidade tamanha que Tuvalu não conhecerá o próximo século. Suas nove ilhas podem estar submersas em poucas décadas, vítimas de enchentes e de um oceano cada vez mais violento.
Tuvalu já vive as prévias de sua agonia derradeira. A seca que castiga o arquipélago há semanas obrigou o governo a declarar, ainda em setembro, estado de emergência. No início do mês, ainda faltava água doce em três ilhas:
Vaitupu e Nukulalae - respectivamente, a maior e a menor do país - e Funafuti, onde fica a capital, que leva o mesmo nome. Uma usina de dessalinização doada pelo Japão não tem sido suficiente.
Outras pequenas estações tiveram o uso franqueado à população - desde que cada morador enchesse apenas um balde por dia. Não é o suficiente, como mostra uma epidemia de problemas dermatológicos, causados pela falta de banho.
Mil quilômetros ao sul, Fiji, outra nação minúscula e isolada, amenizou parcialmente a agonia do vizinho, enviando um milhão de litros de água potável. A Nova Zelândia contribuiu com pequenas estações de dessalinização.
Deste país, aliás, pode vir a solução definitiva para as mazelas do arquipélago. É lá que os tuvaluanos podem se exilar se os eventos climáticos extremos continuarem testando as ilhas polinésias.
Não que o arquipélago já tenha se rendido. Embora negocie, há 11 anos, uma eventual remoção de seu povo, Tuvalu faz o possível para ser ouvido.
Seu porte ínfimo, no entanto, tende a não lhe render muito destaque em palanques internacionais.

Migrações para fugir da promessa de desastres ambientais

Tuvalu só tem 10.544 habitantes. É o segundo país de menor população do mundo, perdendo apenas para o Vaticano - ou, para os adeptos a comparações regionais, as nove ilhas somam algumas dezenas de moradores a menos do que o bairro carioca de São Conrado.
Sua área de 26 quilômetros quadrados é tão escassa que Tuvalu não abriga emissoras de TV - a classe média adotou antenas parabólicas para captar o sinal de nações (nem tão) próximas. Tradição também não é o ponto forte do arquipélago: há apenas 33 anos ele saiu debaixo das asas do Reino Unido, conquistando o direito de formar um governo próprio.
Dois anos atrás, Tuvalu deixou ativistas e líderes internacionais boquiabertos com seu desempenho na Conferência do Clima de Copenhague. Era um anão com voz de tenor, ameaçando bloquear negociações se Estados Unidos, Europa e países em desenvolvimento não se comprometessem com medidas que limitassem o aumento da temperatura global em 2 graus Celsius - mais do que isso seria uma sentença de morte às nações insulares, engolidas por oceanos reforçados com o derretimento de geleiras.
Tuvalu fez o mundo perceber, primeiro, que havia um país chamado Tuvalu; segundo, que seu cenário, típico de papel de parede de computador, já é vítima de uma natureza cada vez mais revoltada.
Em boa parte do planeta, aquecimento global e mudanças climáticas são termos relegados a fóruns; em Funafuti, que concentra mais de metade dos tuvaluanos, eles integram a pauta diária - mesmo que Tuvalu sequer tenha jornal diário. Aguarda-se ansiosamente a chegada de novas usinas para conversão da água do Pacífico em algo aproveitável no cotidiano. O Ministério do Interior, porém, não sabe quantos, ou quando, ou de onde esses equipamentos poderiam chegar.
Pusinelli Laafai é secretário-geral da pasta e diretor do Comitê Nacional de Desastres uma espécie de Defesa Civil. O órgão surgiu nos anos 70, quando o arquipélago era assolado por ciclones. Até o fim do século passado, estes eventos climáticos, em combinação com as enchentes, eram a maior preocupação de Laafai.
- Mas, nos últimos dez anos, mudou tudo. Agora é a temporada de secas que nos deixa apreensivos - revelou, por telefone, ao GLOBO. - Chegamos a ficar seis meses, de novembro até abril, sem ter uma chuva substancial. E nossa vulnerabilidade, já conhecida no mundo inteiro, só tende a aumentar.
Laafai e seus comandados trabalham de mãos dadas com a representação tuvaluana da Cruz Vermelha, anfitriã da água trazida por soldados da Nova Zelândia e de outros doadores - até o Reino Unido, ex-detentor do território, recebeu pedidos de ajuda. Aos esforços diplomáticos, Tataua Pese, diretor nacional da entidade, conjuga outro trabalho: conversar com dezenas de compatriotas que o procuram para saber quantas vezes a estiagem pode se repetir.
- Tento não influenciar na decisão dessas famílias; digo a elas qual é o prognóstico para nosso arquipélago e, a partir daí, cabe a elas decidir o que fazer. Quando termino de falar, a maioria resolve deixar o país - explicou, resignado.
Da decisão às malas prontas, porém, é uma longa distância. Austrália e Nova Zelândia, destinos preferidos pela maioria dos tuvaluanos, ainda exigem visto dos polinésios. À burocracia, junta-se a falta de renda para reiniciar a $em terra estrangeira. Quase metade da população compõe o quadro de funcionários de governo; outros tantos vivem da pesca - uma atividade longe de ser enriquecedora - e da mesada de parentes que já estão no exterior, muitos deles marinheiros.
A falta de dinheiro é reflexo de um governo que, também, não tem muito de onde tirar recursos. O turismo, que parece uma atividade econômica óbvia para aquele cenário, é prejudicado pela sua distância de tudo e todos. Menos de mil estrangeiros por ano atravessam os cerca de 4 mil quilômetros que separam Austrália e Nova Zelândia de Funafuti. Não há recursos minerais, e quase toda a agricultura é de subsistência. Um fundo internacional, destinado especialmente ao país e nutrido pela Commonwealth, é o responsável por manter as contas em dia. Fechando os cofres, há, também, o aluguel do domínio de internet .tv para uma penca de emissoras mundo afora.
Diretora do Programa de Refugiados Internacionais e de Leis de Imigração da Universidade de New South Wales, na Austrália, Jane McAdam conhece de perto a realidade de Tuvalu. Para ela, o país deveria investir em diversos fronts a fim de garantir uma existência sustentável.
- Primeiro, muitos habitantes não querem deixar suas casas, então prover fundos para adaptação para as mudanças climáticas continua sendo muito importante - destacou. - Segundo, várias ilhas do Pacífico têm acordos de migração com países como Austrália e Nova Zelândia, o que permitiria que um maior número de pessoas migrasse ao longo do tempo. Isso aliviaria a pressão criada pela superlotação, desemprego e recursos limitados. Assim, aqueles que querem ficar nas ilhas o fariam por mais tempo.
Os tuvaluanos entrevistados por Jane para suas pesquisas rejeitam o rótulo de refugiados do clima:
- Eles não querem ser vistos como vítimas desamparadas, mas como membros valorosos de uma comunidade. São imigrantes com dignidade.
Segundo ela, a legislação internacional para refugiados ou para apátridas não se aplica facilmente em um contexto como Tuvalu. Não há, então, uma solução pronta para este problema. O país segue em busca de respostas - com a população de garganta seca e encurralada pelo oceano crescente.

O Globo, 22/11/2011, Planeta Terra, p. 9-11

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