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Um pacto nacional pela vida de quem mora no sertao do Brasil

OESP, Nacional, p.A8
06 de Abr de 2005

Um pacto nacional pela vida de quem mora no sertão do Brasil
Idéia é estimular prefeitos a criar políticas públicas que ajudem a reduzir taxas de mortalidade, o trabalho infantil e o analfabetismo juvenil
A chuva não caiu sobre o sertão no dia de São José, 19 de março, o que aponta para um ano de seca, na crença do nordestino. E é sob esse mau presságio da superstição do sertanejo que será lançado hoje em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) o "Pacto Nacional - Um Mundo para a Criança e o Adolescente do Semi-Árido". A idéia pretende mobilizar o Brasil para os desafios que envolvem nove Estados do Nordeste, mais parte de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Esses Estados integram o semi-árido brasileiro, região que abrange quase 1.500 municípios, onde famílias com quase 11 milhões de crianças e adolescentes enfrentam os rigores de uma região com média anual de seis a oito meses de estiagem e grande irregularidade no regime de chuvas. A festa de hoje em Petrolina e Juazeiro, cidades-personagens de Luiz Gonzaga, separadas pelo Rio São Francisco, está armada para chamar a atenção do País para a dura realidade da vida no sertão.
O lançamento do Pacto vai apresentar exposições e oficinas temáticas para mostrar experiências aplicadas ao semi-árido que foram bem-sucedidas. Amanhã, às 17 horas, governadores do semi-árido, ministros, parlamentares nordestinos, políticos locais e representantes da sociedade civil se reunirão no Centro de Convenções de Petrolina para um ato cívico. Uma hora depois, na outra margem do rio, em Juazeiro, haverá um grande show com Daniela Mercury, Renato Aragão e outros artistas e grupos regionais.
A iniciativa tem patrocínio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), dos governos federal e dos 11 Estados que integram o semi-árido, da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq e de mais 17 parceiros da sociedade civil. A idéia é estimular prefeitos do semi-árido a criarem políticas públicas que ajudem a reduzir as taxas de mortalidade, o trabalho infantil e o analfabetismo juvenil, e a fazer campanhas de vacinação, cuidar do pré-natal e melhorar o desempenho escolar.
"Esse é um pedaço do Brasil em que os indicadores de qualidade de vida ainda são muito ruins, mas queremos mostrar que o semi-árido não é só pobreza", explica o coordenador do Unicef na Bahia e em Sergipe, Ruy Pavan. "A região tem um grande potencial, pessoas criativas e o que precisa é canalizar e gastar os recursos corretamente em políticas públicas sérias e com participação da sociedade."
Números
Os números, efetivamente, não ajudam. Dados de 2000 mostram, por exemplo, que quase 73% das crianças de zero a 6 anos estão fora da escola. Em 95% dos municípios a taxa de mortalidade infantil é quase o dobro da média nacional. E 75% das crianças e adolescentes vivem em famílias com renda menor que meio salário mínimo - a média nacional é de 45%.
Os municípios da região que melhorarem seus indicadores receberão do Unicef, no fim de 2006, o Selo Município Aprovado. A experiência começou no Ceará em 1997 e deu certo: em quatro anos, a taxa de mortalidade infantil caiu de 40 para 26 por 1.000 nascidos vivos, a porcentagem de crianças vacinadas subiu de 66% para 91%, e a de escolas com água potável, de 78,6% para 96%. Um pacto nacional pela vida de quem mora no sertão do Brasil Idéia é estimular prefeitos a criar políticas públicas que ajudem a reduzir taxas de mortalidade, o trabalho infantil e o analfabetismo juvenil.
A chuva não caiu sobre o sertão no dia de São José, 19 de março, o que aponta para um ano de seca, na crença do nordestino. E é sob esse mau presságio da superstição do sertanejo que será lançado hoje em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) o "Pacto Nacional - Um Mundo para a Criança e o Adolescente do Semi-Árido". A idéia pretende mobilizar o Brasil para os desafios que envolvem nove Estados do Nordeste, mais parte de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Esses Estados integram o semi-árido brasileiro, região que abrange quase 1.500 municípios, onde famílias com quase 11 milhões de crianças e adolescentes enfrentam os rigores de uma região com média anual de seis a oito meses de estiagem e grande irregularidade no regime de chuvas. A festa de hoje em Petrolina e Juazeiro, cidades-personagens de Luiz Gonzaga, separadas pelo Rio São Francisco, está armada para chamar a atenção do País para a dura realidade da vida no sertão.
O lançamento do Pacto vai apresentar exposições e oficinas temáticas para mostrar experiências aplicadas ao semi-árido que foram bem-sucedidas. Amanhã, às 17 horas, governadores do semi-árido, ministros, parlamentares nordestinos, políticos locais e representantes da sociedade civil se reunirão no Centro de Convenções de Petrolina para um ato cívico. Uma hora depois, na outra margem do rio, em Juazeiro, haverá um grande show com Daniela Mercury, Renato Aragão e outros artistas e grupos regionais.
A iniciativa tem patrocínio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), dos governos federal e dos 11 Estados que integram o semi-árido, da Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Fundação Abrinq e de mais 17 parceiros da sociedade civil. A idéia é estimular prefeitos do semi-árido a criarem políticas públicas que ajudem a reduzir as taxas de mortalidade, o trabalho infantil e o analfabetismo juvenil, e a fazer campanhas de vacinação, cuidar do pré-natal e melhorar o desempenho escolar.
"Esse é um pedaço do Brasil em que os indicadores de qualidade de vida ainda são muito ruins, mas queremos mostrar que o semi-árido não é só pobreza", explica o coordenador do Unicef na Bahia e em Sergipe, Ruy Pavan. "A região tem um grande potencial, pessoas criativas e o que precisa é canalizar e gastar os recursos corretamente em políticas públicas sérias e com participação da sociedade."

'Não dá para fazer chover. É preciso conviver com a seca'
Coordenador do Unicef diz que essa lição deve começar na escola
Já que a seca é inevitável, a estratégia tem de ser aprender a conviver melhor com ela. Com essa filosofia, associações, sindicatos e igrejas têm trabalhado para mudar a histórica cara do sertão. Embora terra rachada e mandacarus ainda prevaleçam na paisagem, vêm ganhando destaque no semi-árido iniciativas para melhorar a qualidade de vida na região.
"Sempre se enfrentou a seca, um equívoco histórico. Não dá para fazer chover, mas se pode conviver com a seca", explica Ruy Pavan, do Unicef. "É uma lição que deve começar já nas escolas, para que as crianças passem a ter orgulho de sua cultura e não tenham vontade de mudar de lá."
Um passo importante foi dado em 1999, com a formação da Articulação do Semi-Árido (ASA), movimento que reúne cerca de 750 entidades para apoiar projetos no sertão. Como o das cisternas, que são instaladas no quintal das casas e armazenam a água da chuva que cai nos telhados.
Com capacidade para 16 mil litros - suficiente para uma família de 5 pessoas passar um ano cozinhando, bebendo, lavando o rosto e escovando os dentes -, o projeto das cisternas beneficia famílias que antes tinham de guardar água de caminhão-pipa em barreiros a céu aberto, baldes ou tambores e custa R$ 1.500, incluindo aí a capacitação das famílias. "Tudo é feito de forma cidadã, a custo mais baixo, sem empreiteiras. Ao contrário de antes, quando muitos prefeitos trocavam a cisterna ou o caminhão-pipa por voto", diz o historiador José Adelmo Pires dos Reis, do Centro Dom José Brandão de Castro.
"Agora durmo tranqüila", conta a lavradora Silvânia Lima Silva, de 32 anos. "Antes deitava já pensando em sair de madrugada no carro de boi para andar seis quilômetros até o Rio São Francisco buscar água." Seu quintal tem desde fevereiro a cisterna 79.950 de um projeto bancado pela iniciativa privada e por um fundo inglês, com apoio do governo, cuja meta é construir 1 milhão de cisternas no sertão brasileiro. No Assentamento Cajueiro, onde ela vive, outras 96 famílias foram beneficiadas. E, segundo a agente de saúde Maria José Lima de Matos, em um mês os casos de diarréia caíram pela metade.
PROJETOS
Há outros projetos, como o dos bancos de sementes caboclas - mais resistentes e adaptadas à região - e o de uma cisterna para 50 mil litros, suficiente para pequena irrigação. Na área de educação, um destaque é o projeto Baú de Leitura, onde educadores desenvolvem atividades, como teatro e dança, com meninos de 7 a 16 anos a partir de histórias que estão nos livros do baú.
"Muitas das nossas crianças antes trabalhavam na pesca do camarão e na roça", conta Maria do Ó Campos Menezes, coordenadora do projeto no povoado Lagoa Primeira (SE), onde 44 crianças também atendidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) participam das atividades do Baú de Leitura todas as terças-feiras.
Mas ainda sobram problemas. Depois de meses sendo capacitadas, monitoras do Baú em outros municípios, como Canindé (SE), perderam o emprego com a mudança de prefeito. Uma delas, Elisângela Góis, de 19 anos, agora se dedica a plantar quiabo. Mas já pensa em seguir o exemplo de duas irmãs mais velhas, que migraram para São Paulo e hoje vivem em Interlagos, zona sul. Uma trabalha de babá, outra é massagista.

Na Palestina sertaneja, não há conflitos, só carências
O sertão sergipano também tem uma Palestina. Sem os conflitos do Oriente Médio, mas onde várias ruas são de terra, as casas não têm banheiro e não há coleta de lixo. "A gente fica de olho para que as crianças usem o banheiro da escola. Se não vigiar, elas terminam indo fora. Porque não estão acostumadas em casa", conta a diretora da escola municipal, Mara Rúbia de Melo. "Essa é uma comunidade boa, mas muito necessitada e pobre."
Parte de Gararu (SE), o povoado surgiu não se sabe quando ou como. "Diz que começou com uma feirinha, de vender farinha, carne, açúcar", conta o morador José Vieira da Cruz, de 64 anos. Um tocador de viola, conhecido por Manezinho Rasga Véia, é apontado como o autor do nome. "Ele dizia que, lendo um dia a Bíblia, encontrou a Palestina do estrangeiro no mapa e achou bonito o nome. Isso há 58 ou 60 anos. Depois veio o João Caboclo, fez seis casinhas e o lugar foi crescendo", completa o agricultor Ercílio Alves de Oliveira, de 60 anos.
Dois dos mais antigos por lá, eles contam que a Palestina é famosa na região pelas festas de domingo. "Anoitecendo, o pessoal vem de moto, na praça tem som, é uma farra. É bem 'divistido' esse lugarzinho, mas tudo sem briga", conta Cruz. "Dá orgulho, sabe?", continua Oliveira. "Essa Palestina é tão sossegada, enquanto na da TV só se vive de terror." É ele também quem arrisca o número de famílias que vivem ali. "Contei 163 casas." Muitas têm um 25 na fachada. É o número do partido do prefeito eleito.
Ex-rota de cangaceiros, o povoado tem luz e água, mas nem todas as famílias conseguem pagar as contas. O posto de saúde está fechado há anos. Só é aberto para limpeza e quando vem o dentista ou o médico. Segundo a agente de saúde Maria Aparecida dos Santos, isso ocorre duas vezes por mês. Para aplicar injeção, tirar ponto, medir a pressão, os palestinos apelam à professora Vilma Maria Feitosa, que cursou um ano de enfermagem. Casos mais graves vão para Gararu ou Porto da Folha. Nem padre fixo a Palestina tem. Apenas uma vez no mês há celebração na igreja da Senhora do Perpétuo Socorro.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) ainda não chegou ao povoado, embora já tenha sido feito cadastro das crianças trabalhadoras. A maioria ajuda a família na roça e no trato dos animais. Além do trabalho infantil, é grande o número de mães solteiras e pais analfabetos. E forte o assistencialismo. "Esse Lula é uma maravilha", diz Oliveira. "Antes dele era um tal de 'por favor, me arruma serviço'. Agora dizem 'tô garantido, tenho R$ 50,00 por mês'." Ele se refere às bolsas, como a Alimentação, oferecidas pelo governo federal. A seu lado, a diretora se entristece. "Muitos se acomodam com R$ 50,00."

OESP, 06/04/2005, p. A8

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