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Um novo Proalcool?

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GOLDEMBERG, José; COELHO, Suani Teixeira
27 de Jan de 2004

Um novo Proálcool?

José Goldemberg e Suani Teixeira Coelho

Uma das propostas que mais têm sido discutidas no País é a de converter parte do óleo de soja num combustível que substitua uma fração do óleo diesel consumido, parte do qual é importada, uma vez que o perfil das refinarias brasileiras não permite suprir todo o consumo nacional. O biodiesel tem vantagens ambientais claras sobre o uso do óleo diesel, que é derivado do petróleo.
A proposta parece atraente porque abriria um mercado adicional para a soja.
Entretanto, mantida a atual política de exportação de soja em grãos, a cultura de soja teria de se expandir ainda mais, quer no cerrado do Planalto Central, quer na Amazônia, onde já é responsável por parte do desmatamento, que, no ano de 2002, foi o maior da história.
O sucesso do Programa do Álcool, com uma tecnologia nacional, encoraja essas propostas, em que se mistura nacionalismo tecnológico com os interesses dos produtores de soja. Por essa razão é preciso analisar essas propostas com cuidado, para não se tornar vítima de ilusões ou de interesses econômicos.
Avanços tecnológicos têm um custo que pode ser elevado, nem sempre com sucesso assegurado. Por exemplo, produzir álcool da mandioca, que foi estimulado pelo Ministério da Indústria e Comércio no passado, se revelou um fracasso, por causa da inexistência de um suprimento adequado de mandioca. O problema não era tecnológico, mas agrícola. No final das contas, o que tornou viável o uso do álcool foram amplos subsídios durante um longo tempo, até que ganhos de tecnologia e economia de escala levassem a quedas significantes do custo de produção. Hoje, álcool é competitivo com gasolina, mas não o foi no passado.
Esse é o caso do biodiesel. Tecnicamente, os motores diesel (caminhões ou ônibus) em uso podem receber uma mistura com 95% de diesel e 5% de óleo de soja (ou outros óleos vegetais), após o tratamento por um processo químico chamado de transesterificação. O resultado é um óleo que compete com o diesel, mas custa aproximadamente quatro vezes mais. Grandes quantidades de glicerina são um subproduto cujos uso e destinação podem ser problemáticos, e a viabilidade técnica da transesterificação com álcool etílico - o que seria interessante para o País - não parece estar totalmente comprovada.
A produção de biodiesel está sendo feita em média escala em vários países da Europa, como Áustria, França e Alemanha, como uma forma de subsidiar a agricultura; e o mesmo teria de ser feito no Brasil.
Além da soja, o biodiesel pode ser produzido de óleos vegetais característicos de cada região do País (por exemplo, mamona no Nordeste e dendê na Bahia), atendendo às vocações regionais, o que teria atrativos do ponto de vista do desenvolvimento local.
Sucede que óleos vegetais, entre outras finalidades, são alimentos. Fazer uma comparação entre suas diferentes aplicações e seu uso como combustível pode ser negativo. A título de exemplo, óleo de mamona tem uma produção por hectare muito maior do que óleo de soja. Nas suas muitas utilizações, a produção do óleo de mamona valeria US$ 800/tonelada, quatro vezes mais que óleo diesel (cerca de US$ 200/tonelada). Além disso, óleo de mamona ou de dendê - que também é atraente - exigiria expandir o cultivo destas culturas, o que necessita estudos detalhados das questões agrícolas e empresariais, além do aspecto energético. Precisamos evitar cair de novo no fiasco de produzir álcool da mandioca sem dispor de matéria-prima suficiente, ou não dispor dela a um preço competitivo.
A pergunta a fazer é se lançar um programa de biodiesel, com subsídios, é uma boa política a seguir. Outra opção seria estimular um grande programa de economia de combustível nos caminhões pela melhor regulagem dos motores. A própria Petrobrás tem um programa destes que poderia ser expandido.
Outra, ainda, é usar ônibus híbridos, com um pequeno motor diesel que carrega baterias para ônibus elétricos no próprio veículo, solução esta que está sendo testada, na Região Metropolitana de São Paulo, pela Cetesb, IPT, USP, SPTrans (Prefeitura) e EMTU (Estado). Na questão ambiental se poderiam também estudar programas para melhorar a qualidade do diesel produzido.
A verdade é que o sucesso do álcool misturado com a gasolina (ou usado puro, em carros a álcool) não é fácil de repetir, sobretudo agora que carros capazes de usar qualquer mistura de álcool e gasolina (flexfuel) estão entrando no mercado. Este desenvolvimento vai tirar a indústria de automóveis do Brasil de um "gueto" no qual se envolveu porque os carros a álcool brasileiros encontram dificuldades para circular no exterior, onde não há álcool hidratado. Os carros "flexfuel" brasileiros poderão circular sem problemas em qualquer país.
Escolher entre diversas tecnologias é sempre um problema sério em todos os países, inclusive nos industrializados, e prudência é recomendável em todos os casos para não ficar aprisionado a caminhos tecnológicos esdrúxulos ou servir de "cobaia" de caixeiros-viajantes de tecnologias aos quais temos sido submetidos regularmente.
No caso do biodiesel, estudos aprofundados são ainda claramente necessários antes da implantação de um programa em larga escala no País.
O Estado de São Paulo tem interesse em participar do programa após a conclusão desses estudos.

José Goldemberg é secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Suani Teixeira Coelho é secretária-executiva do Centro Nacional de Referência de Biomassa (Cenbio)

OESP, 27/01/2004, Espaço Aberto, p. A2

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