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Um novo mapa da fome

O Globo, Economia, p. 27
26 de Ago de 2008

Um novo mapa da fome
O total de crianças com desnutrição crônica caiu de 13% para 7% entre 1996 e 2006, segundo dados do Ministério da Saúde. No entanto, a volta de doenças como beribéri em municípios do interior do Maranhão preocupa especialistas

Liana Melo

O Brasil conseguiu apagar a imagem de crianças esquálidas e retirantes, mudando o perfil do mapa da fome no país desde os tempos de Josué de Castro. As estatísticas oficiais apontam que um em cada três lares - 18 milhões de domicílios - ainda vive o drama da insegurança alimentar. Ou seja, são brasileiros que não têm garantia que farão as três refeições diárias em quantidade e qualidade suficientes. Ao todo, são 72 milhões de pessoas, das quais 14 milhões vivem sob insegurança alimentar grave, calcula o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números mais recentes mostram, no entanto, que nos últimos anos o país vem, aos poucos, vencendo o desafio da fome. De 1996 a 2006, a desnutrição aguda foi reduzida em 46% no Brasil e 74% no Nordeste. O percentual de crianças de até 5 anos que sofrem de desnutrição crônica caiu de 13% para 7% nesse período.
- A fome é inadmissível num país que não tem problemas de produção de alimentos - admite o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias. Ele diz que a situação está mudando, como comprovou a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 2006.
Nova pesquisa deve apontar melhora
Num momento em que a inflação dos alimentos volta a preocupar e que algumas áreas estão sendo disputadas por outras culturas, nada mais oportuno do que revisitar Josué de Castro. Seu centenário de nascimento será comemorado no próximo dia 5, em Recife, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará de uma reunião do Conselho Nacional Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), marcada para celebrar o centenário de Josué.
A coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Márcia Quintslr, diz que a melhora dos indicadores deve ser reforçada pelo resultado da próxima Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009:
- O retrato do Brasil que vai surgir mostrará uma situação de segurança alimentar melhor que a atual - afirma.
A convicção de Márcia se baseia no fato de o país estar num momento de expansão econômica, o que permite maior oferta de emprego e renda.
Historicamente, os mais pobres são os mais vulneráveis a qualquer variação de preço. No Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) - pesquisa com famílias de renda entre um e seis salários mínimos -, a cesta básica pesa 30,45%, pressão maior que a de transporte (16,53%) e habitação (15,74%).
O presidente do Consea, Renato Maluf, não está tão otimista. É que, recentemente, 31 cidades do Maranhão foram vítimas de beribéri, doença provocada pela ausência de vitamina B1. Ainda que o governo tenha logo reagido, Maluf confessa preocupação.
- Ainda que os indicadores de hoje sejam inferiores aos do passado, a ocorrência da fome, num país com abundância de produção de alimentos, é a prova de que a desigualdade social está na raiz do problema.
Francisco Menezes, economista do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), concorda e diz que a situação não está pior por causa de programas como o Bolsa Família. Em pesquisa, o Ibase constatou que, entre os beneficiários do programa, o consumo de alimentos aumentou.
As estatísticas, no entanto, não fazem desparecer dramas como o da aposentada Antônia Maria dos Santos, moradora de Gameleira (PE) que, aos 86 anos, ainda ajuda filhos e netos que, em períodos de seca não têm o que comer.
- O que entra em casa é pouco, não dá para a semana. Quando não tem mais comida, a gente vai ao rio e dá uma pescadinha.

O Globo, 26/08/2008, Economia, p. 27

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