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UM GOVERNADOR EM PÉ DE GUERRA COM A FUNAI

O Globo-Rio de Janeiro-RJ
10 de Ago de 2003

Blairo Maggi, maior produtor de soja do mundo, tenta deter demarcação de terras indígenas em Mato Grosso

O perfil de grande produtor agrícola está fazendo com que o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), compre uma briga com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e com ambientalistas. Maior produtor de soja do mundo, ele diz que seu estado vai se tornar brevemente um dos principais fornecedores de alimentos para o Brasil e o exterior, mas, para isso, diz que não se pode aumentar a demarcação de áreas indígenas no estado. Maggi chegou a pedir ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que suspenda por 24 meses a homologação dos processos de demarcação em Mato Grosso.

- As reservas indígenas demarcadas ocupam 17% do estado, enquanto o agronegócio ocupa entre 18% e 20%. Se demarcássemos o que a Funai quer, nós iríamos ter 24% de Mato Grosso com área indígena, e eu acho isso um absurdo - diz Maggi.

Funai: números são exagerados

Para a Funai, o governador exagera nos números. Segundo o administrador da fundação em Cuiabá, Ariovaldo José dos Santos, o estado tem 12% de terras demarcadas como reservas indígenas, cerca de 13 milhões de hectares. Os números da Funai mostram ainda que Mato Grosso tem hoje 25 mil índios, sendo que apenas dois mil deles precisam ter suas terras demarcadas.

O administrador diz que a tentativa dos fazendeiros do estado de aumentar sua produção tem provocado a invasão de reservas indígenas. O assédio é tão grande que na Reserva Pareci, próxima ao município de Tangará da Serra, os índios utilizam 450 hectares para produzir em parceria com um agricultor que fornece os insumos. Eles plantam soja e arroz em associação com os brancos e, em troca, podem adquirir produtos que são fornecidos pelo próprio agricultor e descontados do lucro obtido com a produção.

- Para plantar a soja não é preciso acabar com a cultura dos indígenas. Mas os índios estão sendo assediados por fazendeiros que querem usar as terras demarcadas e já pensam em arrendá-las no futuro - diz Ariovaldo Santos.

"Sou muito amigo de índios"

Os índios defendem as parcerias com brancos porque, dizem, a Funai não fornece a ajuda necessária para que eles se sustentem. Na Reserva Pareci, o trabalho é plantar milho, mas faltam recursos para a compra de remédios.

- Dividir a terra com os fazendeiros não é bom para nós, mas a necessidade está obrigando. Temos medo de que no futuro eles façam algum arrendamento, mas esse é o único caminho que estamos achando - diz Nelsinho Zaizomae, um dos líderes da comunidade Pareci.

A procuradora do Ministério Público Federal Agda Aparecida Silva diz, porém, que as parcerias trazem problemas como a degradação ambiental e que a Funai deve desenvolver projetos para estimular alguma atividade econômica que preserve as reservas e a qualidade de vida dos índios.

- Os índios realmente precisam de uma fonte de renda. Não é possível ter uma visão romântica desses povos. Mas o trabalho deve ser desenvolvido pela Funai e não por fazendeiros - diz Agda.

Já o governador afirma que não existe risco de o agronegócio invadir terras indígenas.

- Eu não conheço reserva que sofra pressão de fazendeiros. Mas a verdade é que as reservas indígenas são ilhas de pobreza num mar de riqueza - diz Maggi, afirmando que, apesar dos problemas com a demarcação das terras, é amigo dos índios:

- Sou tão amigo dos índios que lá em Sapezal tem um indiozinho com o nome de Blairo.

O Ibama em Mato Grosso também vê problemas no processo de expansão da fronteira agrícola do estado. Segundo o gerente executivo do órgão em Cuiabá, Hugo José Werle, as principais questões continuam sendo o desmatamento e as queimadas que ocorrem principalmente nesta época do ano. O estado tem hoje 90 milhões de hectares e 30% de área desmatadas.

- Temos observado que a poluição está menor este ano, mas os focos de calor estão mais numerosos. Como se explica isso? A conclusão é de que está havendo uma queima de resto de áreas desmatadas e de pastagens para o avanço da fronteira agrícola interna. O governador Blairo Maggi tem feito com que as pessoas achem que tudo vale a pena para produzir soja - diz Werle.

A justificativa de Maggi para defender com tanta ênfase o agronegócio em Mato Grosso está nos números da produção de grãos. O estado é o maior produtor de soja e algodão do país e segundo maior de arroz. Para a safra 2002/2003, a estimativa é de uma produção de 18 milhões de toneladas de grãos com 5,7 milhões de hectares.

O governador afirma que Mato Grosso tem condições de fazer sua produção de grãos crescer 10% ao ano até 2012, passando de 17,5 milhões de toneladas de grãos de hoje para 45 milhões de toneladas.

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