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Um conflito agrário nos confins da Amazônia suscita preocupação nos meios militares brasileiros

Uol Mídia Global - Le Monde - noticias.uol.com.br
Autor: Annie Gasnier
09 de Ago de 2008

"Nós confiamos no que decidirá o Supremo Tribunal Federal [STF, a Corte Suprema brasileira], porque essas terras sempre foram ocupadas pelos índios, e que em função disso, portanto, elas são nossas", explica Jacir de Souza. Este índio do povo Macuxi vive na reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, uma terra de discórdia situada nos confins do Brasil, da Venezuela e da Guiana.

O destino de 14 mil índios que pertencem a cinco etnias diferentes depende inteiramente da decisão dos ministros da alta corte, que devem tomar uma decisão a respeito da legalidade da demarcação da sua reserva de 17 mil km2, até o final do mês de agosto. No Brasil, 480 mil índios ainda vivem em conformidade com os seus costumes e tradições, nas 616 reservas que lhes foram concedidas pelo poder federal. Esses territórios ocupam uma superfície total equivalente a 15% do país, e estão situados essencialmente na região da Amazônia.

Contudo, a reserva Raposa Serra do Sol, que foi homologada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 15 de abril de 2005, depois de um extenso processo que foi conduzido ao longo de vinte anos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), continua sendo ocupada por fazendeiros não-índios. Seis plantadores de arroz, liderado por um deles, o político Paulo César Quartiero, detêm a posse de 15 mil hectares e recusam-se a se retirarem dessas terras.

Em abril, quando a Polícia Federal recebeu ordem para evacuar esta área, os "não-índios", ou seja, os fazendeiros e seus empregados, dos quais alguns são índios e mestiços, travaram um confronto violento com as forças da ordem. O Superior Tribunal Federal suspendeu então a operação de evacuação, aceitando examinar um novo recurso apresentado pelo governador de Roraima, que contesta a criação da reserva no seu Estado, cuja população é de 390 mil habitantes, dos quais 10% são índios.

Soberania nacional
O governador José de Anchieta afirma que o território está sendo cobiçado "pelas grandes potências", presentes na Amazônia por intermédio das organizações não-governamentais (ONGs), e posiciona-se em defesa dos fazendeiros, uma vez que as suas plantações representariam 6% do produto interno bruto (PIB) de Roraima. A maioria dos eleitos locais contesta o perímetro da reserva Raposa Serra do Sol, que faz com que 46% da superfície do Estado de Roraima sejam constituídos por reservas indígenas. No dia em que a homologação da reserva fora confirmada, o governador havia decretado jornadas seguidas de luto.

Os opositores à demarcação são atualmente apoiados por militares. Quando a operação de evacuação conduzida pela Polícia Federal estava no seu auge, o comandante da Amazônia, o general Augusto Heleno, questionou "a política do governo para com os índios, que revela ser lamentável, para não dizer caótica", e deu a entender que a reserva Raposa Serra do Sol, onde o Exército de terra posicionou seu 6o pelotão fronteiriço, ameaça a soberania nacional. Segundo ele, o direito dos povos indígenas à autodeterminação, que lhes foi reconhecido em 2007 pelas Nações Unidas, abriria o caminho para o separatismo. Contudo, nos limites do Brasil e da Colômbia, ou da Venezuela, existem outros dois imensos territórios indígenas, os dos tucanos e dos yanomamis, onde nenhum problema que pudesse ser considerado como uma ameaça à integridade do território chegou a ser assinalado.

No Rio de Janeiro, o presidente do Clube Militar, uma associação que congrega as três forças armadas, o general do quadro da reserva Gilberto Figueiredo, explica que os militares defendem a seguinte filosofia: "É preciso integrar os índios à nossa sociedade; a nossa história é a da mestiçagem, e, nesse contexto, a política de demarcação da Funai vai de encontro aos interesses da nação, e ela precisa ser interrompida".

O Ministério da Justiça, encarregado da política para com os índios, multiplicou as reuniões entre os protagonistas deste conflito. "Os índios têm sido vítimas dos mesmos preconceitos desde a colonização, e um parecer desfavorável à criação da reserva Raposa Serra do Sol viria questionar a própria existência de todas as reservas indígenas", avalia Paulo Maldos, um membro do Conselho Indígena Missionário, vinculado à Igreja católica, que se posicionou em defesa dos índios.

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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