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Um começo extremo

O Globo, Especial, p. 2
05 de Jun de 2010

Um começo extremo
Seguradoras amargam prejuízo histórico e América Latina foi uma das regiões que mais sofreu. Porém, especialistas dizem que Brasil está entre os países que podem sair fortalecidos da crise ambiental

Renato Grandelle

O ano sequer chegou à metade, mas os eventos extremos registrados por todo o planeta, provocando milhares de mortes, já fizeram de 2010 um período marcado pela fúria da natureza. Tempestades de força incomum, alagamentos, temperaturas muito acima ou abaixo da média, terremotos em áreas densamente povoadas e atividade vulcânica causaram prejuízos em dezenas de países. O clima produz más notícias em velocidade inédita. Uma combinação de fatores explica por que 2010 tem sido penoso. Entre eles, as mudanças climáticas - que provocam episódios extremos com mais frequência - e a infeliz coincidência de os eventos geológicos, como terremotos e vulcões, ocorrerem em áreas densamente povoadas. Áreas pobres e sem infraestrutura estão sujeitas a perdas maiores.
- Do ponto de vista geológico, não existe anormalidade registrada na atividade do planeta - garante o vulcanólogo Thor Thordarson, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. - Mas o acaso fez com que erupções e sismos acontecessem nos primeiros meses do ano, e, além disso, em locais muito habitados. É uma coincidência, mas nos faz pensar que algo está errado.
Mesa do brasileiro está mais cara
Acasos à parte, o fato é que os seguidos episódios de 2010 causaram grandes prejuízos. Afetadas pelas perdas econômicas decorrentes das reviravoltas do clima, as companhias de seguro sentem fortemente o aumento do impacto dos desastres. Dados do setor indicam que, entre 1992 e 2008, o impacto econômico das catástrofes naturais se multiplicou por dez. E este índice deve crescer com mais intensidade a partir de agora.
De acordo com a seguradora Munich, uma das maiores do segmento, o número de grandes eventos com impacto superior a US$ 1 bilhão triplicou desde 1950. Na próxima década, os prejuízos devem dobrar. Somente em 2008, as catástrofes naturais custaram ao mundo US$ 200 bilhões. O primeiro trimestre de 2010 já foi o suficiente para fazer do ano o mais prejudicial à economia da América Latina.
Segundo a seguradora Willis, as empresas do setor atuantes no continente perderam US$ 16 bilhões nos últimos três meses. Entre os motivos estão os terremotos do Haiti e Chile e as chuvas que castigaram o Brasil. A empresa também prevê que a nova temporada de furacões no Caribe, iniciada esta semana, será "mais intensa que o normal".
Os gastos com eventos extremos darão um salto nos próximos meses. Segundo a Swiss, os desastres naturais provocarão uma despesa de US$ 110 bilhões em 2010. No ano passado, considerado relativamente tranquilo, a conta foi de US$ 22 bilhões.
-Já estamos conferindo os eventos significativos de 2010. Nossa; previsão é de que este ano será de grande prejuízos - admite :Thomas Hess, economista-chefe da Swiss. - Alertamos a indústria que deve se preparar para sofrer perdas.
Se é difícil pensar em cifras tão altas, basta lembrar os reflexos que as mudanças climáticas provocam no orçamento de cada um. Secas e furacões fizeram com que produtores diminuíssem, em todo o planeta, a área de cultivo de arroz. O movimento atingiu até o Rio Grande do Sul. Preparados para a estiagem, os Pampas foram surpreendidos, no início do ano, com o alto índice de chuvas. Resultado: safras ainda menores e preços mais altos no supermercado.
- A mesa do brasileiro ficou mais cara - alerta Emília Queiroga Barros, diretora da Campanha Global de Liderança Climática Brasil 2020. - As mudanças climáticas têm um efeito imediato em nosso modelo de civilização. E o que é mais importante: elas não respeitam fronteiras geopolíticas. São um problema de todos.
A Guatemala é o mais recente exemplo de como os eventos extremos podem instaurar o caos. Em menos de cinco dias, na semana passada, o país viu o vulcão Pacaya entrar em erupção - cobrindo a capital, Cidade da Guatemala, de cinzas - e a tempestade Agatha matar mais de 90 pessoas.
Clima traz nova ordem mundial
A escalada dos eventos extremos ainda não produziu um verdadeiro acordo global, obrigando países desenvolvidos e emergentes a cortarem na carne - leia-se: em suas emissões de carbono. A China, maior poluidora do mundo, investe 3% de seu PIB em energia verde (os EUA destinam apenas 0,7% do PIB ao mesmo fim). Na Alemanha, a população é incentivada, com reembolsos governamentais, a comprar paineis de energia solar. O projeto alçou o país à liderança no uso desta fonte de energia.
E o Brasil, que já reduziu o desmatamento da Amazônia, pode assumir um papel ainda maior. Dono de uma economia baseada em matriz energética limpa (as hidrelétricas), o país é considerado candidato à liderança de uma nova ordem mundial, onde a economia pode ser mais harmoniosa com o meio ambiente.
- Somos um dos países com maior potencial de liderança em desenvolvimento sustentável - ressalta Emília. - Temos a maior extensão de terra cultivada do mundo, a maior quantidade de recursos hídricos e a maior extensão da Amazônia. Novas formas de comércio estão surgindo, com nações sem potencial agrícola comprando terras fora de seus domínios. As relações de cooperação mudaram. Podemos estar à frente desta nova era.

O Globo, 05/06/2010, Especial, p. 2

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