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Um caso de abandono do local

O Povo-Fortaleza-CE
Autor: Cristhian Teófilo
01 de Abr de 2002

Durante as pesquisas de reconhecimento de um povo indígena pela Funai, o antropólogo se depara com casos dramáticos. Como o de R., moradora do Córrego João Pereira, terra dos índios Tremembés. A mãe de R., nascida em Almofala, morreu no parto e seu pai decidiu dá-la a um casal de índios da Almofala. O casal a adotou. Quando R. se casou e teve o primeiro filho ela continuou vivendo na mesma casa de seus pais. Entretanto o marido de R. era violento e sua mãe adotiva a repreendia por ter se casado com ele. Quando R. engravidou novamente, sua mãe a expulsou de casa. Mas seus filhos continuaram a ser criados pelos avós. R. passou a prestar serviços domésticos em diversas casas da região e foi aí que conheceu V. Ambos se apaixonaram e V. propôs que se mudassem para o Córrego, onde havia recebido permissão do fazendeiro ocupante daquelas terras para morar e trabalhar no local.

Ocorrida a mudança V. foi logo absorvido pelos conflitos locais e tornou-se Conselheiro Fiscal da associação de assentados do Incra cometendo vários atos de agressão contra os índios. Mesmo assim, V. e R. criaram vínculos com os índios do lugar. Certo dia, durante uma visita, os índios brincaram com R. dizendo que ela deveria pedir benção ao pai. O que ela não entendeu até lhe explicarem a história de sua doação ao casal de Almofala. O pai dela morava agora no São José, junto a uma filha da índia Rosa Suzano. Ele era visto como índio de dentro pelos Tremembés. Note que tanto pelo lado dos pais adotivos quanto pelo lado do pater, R. teria os mesmos direitos dos demais índios, porém a sua história de vida a impediu de ser aceita como Tremembé pelos outros.

O fato de R. estar vinculado a pessoas que agrediram os índios piorou sua situação cabendo a ela o mesmo destino dele, abandonar a terra indígena. Esta situação relativiza nossos conceitos de parentesco e sensos de justiça e nos obriga a avaliar o caso de R. sob a luz de um contexto mais amplo no qual direitos e recursos de subsistência estão sendo disputados. Dito de outro modo, para ser Tremembé, não basta ser nascido e criado no lugar e nem ter descendência de índio em outro, é preciso compartilhar um projeto comum estabelecido pelo povo para a preservação de sua identidade e de suas terras.

Cristhian Teófilo da Silva, doutor em Etnologia indígena, professor da Universidade Católica de Brasília, foi contratado pela Funai para coordenar o estudo dos índios Tremembé do Córrego João Pereira

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