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Um acordo mínimo

O Globo, Ciência, p. 50
20 de Dez de 2009

Um acordo mínimo
Sem consenso, Conferência do Clima produz carta de intenções que não tem força de lei

Chico de Gois, Deborah Berlinck e Roberta Jansen
Enviados especiais Copenhague

Quase 24 horas depois do previsto, a Convenção da ONU para Mudanças Climáticas terminou ontem depois que os delegados aprovaram uma moção de reconhecimento ao acordo anunciado no fim da noite de sexta-feira por lideranças internacionais. O documento, sem valor legal, é considerado muito fraco, mesmo pelos líderes que o propuseram, e não foi assinado por todos os 193 representantes nas negociações.

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, classificou o texto de "um começo essencial", mas frisou que deve haver esforço para que ele adquira valor legal já em 2010.

Depois de duas semanas de discussão sem avanços nos pontos significativos, Estados Unidos, Brasil, China, Índia e África do Sul costuraram um acordo sem valor legal ou metas de redução de emissões.

O texto fala apenas em limitar o aumento da temperatura a 2 graus Celsius, mas não detalha como isso será feito. Apresenta somente os objetivos voluntários de corte de CO2 de cada país, que sequer somam 20% de redução global até 2050. Os índices ficam abaixo, portanto, do percentual mínimo de 25% recomendado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU.
Texto cita verbas de US$ 30 bilhões
O texto fala em verbas de US$ 30 bilhões para os próximos três anos e US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020, mas não aponta os mecanismos de arrecadação e distribuição dos fundos. O documento cita a criação de um mecanismo para cortar emissões por diminuição de desmatamento das florestas tropicais, o REDD.

- Precisamos de um acordo legal, que abarque os EUA, que determine metas de desvio para os países em desenvolvimento, que tenha uma arquitetura financeira significativa. E necessitamos também de uma continuação para Kioto - disse o secretário-geral da convenção, Yvo de Boer, quando perguntado sobre as prioridades para a próxima reunião, no México, no ano que vem.

Os líderes que costuraram o acordo saíram sem fazer pronunciamento, deixando para a plenária o fraco documento. Na madrugada de ontem, sem apoio unânime, e com forte oposição dos países em desenvolvimento (Venezuela, Nicarágua, Equador, Cuba e Bolívia à frente), que não participaram do pacto, o documento quase foi rejeitado. O líder do G-77, Lumumba Stanislaus, apareceu no Bella Center para anunciar que alguns países bloqueariam o acordo, que não seguiu os procedimentos próprios e teria sido imposto por um grupo pequeno de nações.

- Pediram à África para assinar um pacto suicida - afirmou.

Na manhã de sábado, no entanto, a plenária confirmou: "A conferência decide registrar o Acordo de Copenhague, de 18 de dezembro de 2009." Ou seja, os países reconhecem que o acordo existe, mas não necessariamente o assinarão. E Ban anunciou:
- Finalmente, fechamos o acordo. Pode não ser tudo o que esperávamos, mas a decisão da Conferência é um começo essencial.

Porém ressaltou:
- Devemos transformá-lo num acordo legal em 2010. Sua importância só será reconhecida uma vez que for codificado pela lei internacional.

As ONGs, que tiveram um papel atuante e significativo nas duas semanas de negociação, tanto nos protestos do lado de fora do Bella Center quanto na própria reunião, criticaram duramente o resultado.

- O acordo não é justo, ambicioso, nem legalmente vinculante (com força de lei). Os líderes falharam em evitar o caos climático. Este ano o mundo enfrentou uma série de crises, e com certeza a maior delas é a de liderança - disse o diretorexecutivo do Greenpeace no Brasil, Marcelo Furtado.

A Oxfam Internacional também protestou.

- O acordo é o triunfo das aparências sobre a realidade. Ele reconhece a necessidade de manter o aquecimento abaixo dos 2 graus, mas não expõe qualquer compromisso para se fazer isso - afirmou o diretor-executivo Jeremy Hobbs.

- Deixa para trás as decisões importantes sobre a redução de emissões de gases-estufa e evita o tema do financiamento

Brasil contesta críticas de países do G-77
Embaixador brasileiro, porém, diz que o acordo foi decepcionante

O embaixador para Questões Climáticas Sérgio Serra negou ontem, depois do fim da COP-15, que o Brasil tenha abandonado os países do G-77, de quem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma espécie de porta-voz na sua intervenção anteontem, na sessão plenária com presidentes e chefes de Estado. Serra avaliou que ocorreram manifestações isoladas de integrantes do G77, depois que o Brasil se associou aos Estados Unidos, à China, à África do Sul e à Índia e a outros 20 países para produzir um texto chamado no meio diplomático de "toma nota", isto é, sem obrigação legal e sem a força de acordo.

- Respeitamos a oposição de alguns países que não queriam o texto. As alegações são legítimas.

Mas o importante é a representatividade do texto.

Isso não pode ser negado - disse, lembrando que entre os signatários havia países da Ásia, do Oriente Médio, da América Latina, de ilhas e da África.

Serra disse ainda que nas discussões acaloradas por causa do documento do G-25, ele interveio para pedir que se votasse um texto que conduzisse a uma ação. Na verdade, o que foi aprovado servirá como rascunho para o início dos debates no ano que vem, que culminará com a COP-16, em dezembro de 2010, no México, onde se espera que haja um acordo sobre as mudanças climáticas.

Apesar de otimista sobre as negociações futuras, ele se mostrou frustrado com o resultado.

- A COP-15 foi decepcionante porque não tivemos as metas que queríamos - resumiu. (Chico de Gois e Roberta Jansen).

O Globo, 20/12/2009, Ciência, p. 50

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