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Trump e o aquecimento global

O Globo, Opinião, p. 19
26 de Jul de 2017

Trump e o aquecimento global
As consequências das ações do presidente americano não são piada. Se os EUA mantiverem suas emissões atuais, todo o planeta vai pagar a conta

Joseph E. Stiglitz

Sob a liderança do presidente Donald Trump, os EUA deram mais um passo para se tornarem um Estado sem princípios no dia 1o de junho, ao saírem do Acordo Climático de Paris. Durante anos, Trump subscreveu a esdrúxula teoria da conspiração, segundo a qual, como ele colocou em 2012, "o conceito de aquecimento global foi inventado por e para os chineses com o objetivo de destruir a competitividade do setor industrial americano". Mas esta não foi a razão pela qual Trump investiu para tirar os EUA do Acordo de Paris. Em vez disso, o pacto, segundo ele, é ruim para os EUA e implicitamente injusto.
Embora a justiça, como a beleza, esteja nos olhos de quem vê, o argumento de Trump é difícil de justificar. Ao contrário, o Acordo de Paris é muito bom para os EUA, e são os americanos que continuam impondo um peso injusto sobre os demais países.
Historicamente, os EUA têm contribuído desproporcionalmente para o aumento da concentração dos gases do efeito estufa na atmosfera e, entre os maiores países, continua de longe como o maior emissor per capita de dióxido de carbono - mais de duas vezes do que a taxa da China e quase 2,5 vezes mais do que a Europa em 2013 (o último ano em que o Banco Mundial divulgou dados completos). Com esta alta receita, os EUA estão em uma posição bem melhor para se adaptar aos desafios da mudança climática do que as nações mais pobres, como Índia e China, e mais ainda em relação aos países de baixa renda na África.
A principal falha no raciocínio de Trump é achar que combater a mudança climática enfraqueceria os EUA, em vez de fortalecê-los. Trump está olhando para o passado - um passado que, ironicamente, não é tão bom assim. Sua promessa de recuperar os empregos nas minas de carvão (que hoje somam 51 mil vagas, menos de 0,04% do empregos americanos fora do setor agrícola) não leva em consideração as péssimas condições e riscos endêmicos à saúde neste segmento, sem mencionar os avanços tecnológicos que continuariam a reduzir o desemprego no setor, mesmo se a produção de carvão fosse reativada.
Na verdade, bem mais empregos estão sendo criados com a instalação de painéis solares do que se perde no setor carvoeiro. Mais amplamente, deslocar-se para uma economia verde elevaria a renda nos EUA hoje e a economia, no futuro. Nisso, como em muitas outras coisas, Trump está irremediavelmente voltado para o passado.
Poucas semanas antes da decisão de Trump de sair do Acordo de Paris, a Comissão de Alto Nível de Preços do Carbono, a qual copresidi com Nicholas Stern, destacou o potencial para uma transição verde. O relatório da comissão, divulgado no fim de maio, argumenta que reduzir as emissões de CO2 poderia gerar uma economia ainda mais robusta.
A lógica é direta. Um problema central atrasando a economia global hoje é a deficiência da demanda agregada. Ao mesmo tempo, muitos governos correm o risco de um déficit de receitas. Mas podemos tratar de ambas as questões simultaneamente e reduzir as emissões impondo uma taxação para emissões de CO2.
É sempre melhor taxar as coisas ruins do que as boas. Ao tributar o CO2, firmas e famílias teriam um incentivo para se adaptarem ao mundo do futuro. A taxa também forneceria incentivos às empresas para inovar de modo a reduzir o uso de energia e emissões - dando a elas uma vantagem dinâmica e competitiva.
A comissão analisou o patamar de preços do carbono que seria necessário para alcançar as metas estabelecidas no Acordo de Paris - um preço bem mais alto do que o praticado na maior parte da Europa hoje, mais ainda assim administrável. Os comissários destacaram que o preço apropriado pode variar entre os países. Em particular, observaram, um sistema regulatório aprimorado - um que restrinja a geração de energia a base de carvão, por exemplo - reduz o peso que tem que ser posto no sistema tributário.
Os EUA sob Trump deixaram de ser um líder mundial para se tornar um objeto de escárnio. Na sequência da retirada do país do Acordo de Paris, um imenso painel foi pendurado na prefeitura de Roma: "O planeta em primeiro lugar". Da mesma forma, o presidente francês, Emmanuel Macron, fez alusão ao slogan da campanha de Trump, declarando "Torne o nosso planeta grande novamente". Mas as consequências das ações de Trump não são piada. Se os EUA mantiverem suas emissões de sempre, continuarão a impor um enorme custo aos resto do mundo, inclusive aos países pobres. Aqueles afetados pelo descaso americano estão, com razão, irados.

Joseph E. Stiglitz é vencedor do Prêmio Nobel de Economia, professor da Universidade de Columbia e economista-chefe do Roosevelt Institute. © Project Syndicate N. da R.: Roberto DaMatta volta a escrever semana que vem

O Globo, 26/07/2017, Opinião, p. 19

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