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Tropas do exercito comecam a chegar a Altamira

O Globo, O Pais, p.8
17 de Fev de 2005

Tropas do Exército começam a chegar a Altamira

ALTAMIRA (PA). As tropas do Exército que vão apoiar as ações policiais em Anapu começaram a desembarcar ontem à tarde em Altamira. Porém, o deslocamento até Anapu, a 140 quilômetros de Altamira, só deve começar hoje. Cerca de 170 soldados devem participar das operações nesses primeiros dias. Mas o Centro de Comunicação Social do Exército informou, em Brasília, que serão empenhadas na operação tropas de Marabá, Manaus e Belém, totalizando dois mil homens.

No desenvolvimento das operações, segundo o Exército, poderão ser empregadas tropas do Comando Militar do Nordeste baseadas em Recife; da Brigada de Infantaria Pára-Quedista, do Rio; da Brigada de Operações Especiais, de Goiânia; e do Comando de Aviação do Exército, que fica em Taubaté (SP). O comandante é o general Jairo Nass, que ficará em Altamira.

A primeira leva de soldados desembarcou no aeroporto de Altamira por volta de 13h, trazidos de Belém. Os militares são do 2 Batalhão de Selva e chegaram a bordo de um Hércules C-130. À noite chegaram mais 63 soldados. A eles irão se juntar mais 45 soldados vindos de Manaus. A tropa de Marabá se deslocará por terra e ficará alojada em Anapu ou Pacajá.

As tropas do exército serão usadas em apoio às ações do governo federal e estadual para conter a onda de violência desencadeada com a morte da missionária Dorothy Stang. Antes do embarque, o comandante se reuniu com as polícias Civil e Militar para estabelecer estratégias de ação na área.

— Em princípio daremos suporte para as polícias Federal e Civil, que terão de cumprir mandados de busca e apreensão e efetivar os mandados de prisão preventiva — disse o general

Militares darão apoio logístico

O Exército proporcionará, ainda, apoio logístico e transporte aéreo aos órgãos empregados. Para cumprir essa missão haverá o deslocamento imediato de forças do 2 Batalhão de Infantaria de Selva e da 5 Companhia de Guarda de Belém para Altamira. Três helicópteros de transporte de tropas do Exército já seguiram para Altamira e Marabá nesta quarta-feira. Os soldados, que estão alojados no quartel da 51 Batalhão de Infantaria de Selva, em Altamira, seguirão de caminhão até Anapu.

— São homens treinados para resolver situações de conflito, mas sem poder de polícia — disse o capitão do Exército Dimas Nascimento, que comandou o transporte dos soldados.

A pequena Anapu, de 7.200 habitantes, aguarda com temor a chegada dos homens do Exército anunciada anteontem pelo Palácio do Planalto. O medo maior é de a ação militar, ao lado do prometido aperto na fiscalização contra posseiros e grileiros, acabar afetando a modesta economia da cidade, que tem como sua maior fonte de renda o dinheiro proveniente da extração de madeira da Amazônia.

— Ninguém sabe o que vai acontecer de agora em diante, porque o movimento daqui a gente sabe que vem da madeira. Se pararem as serrarias, a cidade pára — afirmou o comerciante Francisco Cleodon Andrade.

— Com certeza vai diminuir a circulação de dinheiro na cidade — prevê, preocupado, José Carlos Mendes da Silva, dono de uma pequena pensão em Anapu.

A cidade só tem um posto bancário e nenhum supermercado (tem apenas cinco mercearias de médio porte).

Opinião: Perguntas

UMA LINHA de investigação na apuração do assassinato da freira Dorothy Stang merece especial atenção.

SÃO AS cartas que ela escreveu a autoridades, uma delas oito dias antes de morrer, e ao que parece sem jamais receber uma resposta ou despertar alguma reação.

POR ESCRITO e citando nomes, a missionária alertou a Polícia Civil e a Secretaria de Defesa Social do Pará para as ameaças de morte que agricultores vinham recebendo, e advertiu que o clima na região era de guerra.

QUEM RECEBEU as cartas? Para onde foram encaminhadas? Por que não se deu importância a elas? Por que nenhuma providência foi tomada?

SÃO PERGUNTAS que não podem ficar sem resposta.

Divulgados retratos-falados de assassinos de freira

ANAPU (PA). A Polícia Civil do Pará divulgou ontem os retratos-falados dos dois suspeitos de terem executado a missionária americana Dorothy Stang, no último sábado, em Anapu, no Pará. Ainda não há pistas da dupla nem dos acusados de ordenar o crime. Todos estão sendo procurados desde sábado.

Os supostos executores foram identificados apenas como Raifran e Eduardo. Eles seriam capangas do posseiro Amair Feijoli da Cunha, o Tato, também foragido e acusado de ser o intermediário. O mandante, segundo a polícia, seria o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido na região como Bida. O Ibama informou que Vitalmiro deve R$ 30 milhões em multas por desmatamento ilegal.

— Tota era uma espécie de testa-de-ferro do Bida — disse o delegado Waldir Freire.

Cinco testemunhas ajudaram a fazer retratos-falados

Os retratos-falados foram feitos em computador, a partir de depoimentos de pelo menos cinco testemunhas. A polícia acredita que eles estejam escondidos na floresta que cerca a cidade. As polícias Federal, Civil e Militar participam das buscas.

Os papéis já anexados ao inquérito destinado a investigar a morte da freira ajudam a reforçar as acusações de que as autoridades foram negligentes. No dia 10 de janeiro, a própria Dorothy registrou queixa da delegacia de Anapu denunciando a presença de invasores na área destinada a seu projeto de desenvolvimento sustentável.

Ela informara à polícia que um assentado, Luís Moraes de Brito, havia sido ameaçado por um homem que dizia ter comprado a terra de Bida. Na véspera, o invasor teria queimado quatro barracos. A missionária levou o gerente regional do Incra, Roberto Kiel, à área do conflito.

Quinze dias depois, Brito procurou a polícia, dizendo ter sido ameaçado por Tato, o capataz de Bida. Segundo o colono, Tato chegou a atirar para o alto. A polícia se restringiu a chamar Tato para depor. Ele negou a acusação. Foi esse conflito, tratado como praxe, que provocou a morte da missionária, menos de 20 dias depois. Para o delegado Gilvandro Furtado, que participa da investigação, a Polícia Civil fez o que tinha de fazer:

— Eram ameaças e isso está dentro do que a lei trata como crime de baixo potencial ofensivo. A polícia ouve as partes e envia o caso ao juizado especial.

As primeiras reações dos trabalhadores à violência já começaram a surgir. A sede do Incra em Altamira foi invadida ontem à tarde por trabalhadores rurais de seis municípios ligados pela Transamazônica. A principal reivindicação é a regularização fundiária e o fim da violência contra agricultores.

— Queremos que o governo federal cumpra com as promessas que vêm sendo feitas desde que Dorothy foi assassinada — disse o agricultor Manoel Dias.

Em Ipixuna, cerca de 150 agricultores bloquearam a PA-160 em protesto contra a morte do sindicalista Daniel Soares da Costa Filho. Os manifestantes dizem que só liberam a estrada se conseguirem uma audiência com o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos.

CPT lista 161 ameaçados de morte

BRASÍLIA E SÃO PAULO. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) informou ontem que pelo menos 161 pessoas foram ameaçadas de morte no país em 2004. Um quarto dessas ameaças, 40 casos, envolve conflitos no Pará, estado que registra o maior número de pessoas ameaçadas. Entre os ameaçados, há agentes pastorais, padres, religiosos, sem-terra, sindicalistas, quilombolas, assentados, políticos, índios e procuradores da República.

Dados da CPT mostram que a Justiça é lenta para julgar processos que envolvem crimes ocorridos no campo. Das 1.379 mortes no campo registradas pela CPT de 1985 a 2004, 75 casos foram julgados. Apenas 15 mandantes e 64 executores foram condenados. Do total de assassinatos registrados no período, 523 foram no Pará.

Instituições vão pedir intervenção federal no Pará

Com base nas constatações, a CPT e outras 44 entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Pela Justiça no Campo articulam-se para pedir uma intervenção federal no Pará. Segundo o presidente nacional da CPT, dom Tomás Balduíno, a intervenção é necessária porque o governo paraense tem tido atuação inaceitável.

— O Pará se tornou um epicentro, que está marcado pela impunidade. A desordem institucional criou um poder paralelo, que se esconde sobre o apelido de agronegócio. Pedimos a intervenção em favor da paz, da preservação do meio ambiente, dos povos da floresta e daqueles que precisam de um pedaço de terra para sobreviver— disse dom Tomás.

Na lista de ameaçados da CPT há o nome da freira americana Dorothy Stang, assassinada em Anapu (PA). A data que aparece como dia da ameaça é 9 de janeiro de 2004. Aparecem também o nome de dom Pedro Casaldáliga, bispo aposentado de São Félix do Araguaia (MT), e do fiscal do Ministério do Trabalho Nelson José da Silva, assassinado há um ano em Unaí (MG).

Incra planeja acelerar reforma agrária no Pará

ANAPU E ALTAMIRA. A área do projeto Esperança, assentamento desenvolvido pela missionária Dorothy Stang e local em que ela foi assassinada no sábado, será a primeira da lista de terras a serem desapropriadas numa ofensiva que o Incra planeja deflagrar nos próximos dias na região. Dez agrônomos e dez procuradores do órgão serão deslocados ainda esta semana para o oeste paraense para agilizar os processos de desapropriação, disse o ouvidor agrário nacional, Gercino José Alves Filho.

O Incra anunciou que vai desapropriar sumariamente áreas das glebas Bacajá e Belo Monte, em Anapu, com a finalidade de assentar 500 famílias no local. A intenção do Incra é implantar ao longo do ano quatro projetos de desenvolvimento sustentável nas duas glebas. Com base em levantamentos que serão feitos pelos agrônomos em Anapu e Altamira, eles vão preparar ações para despejar posseiros e grileiros que ocupam áreas públicas que podem ser destinadas à reforma agrária. Será dada prioridade aos assentamentos do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), defendido por Dorothy.

O Globo, 17/02/2005, O País, p.8

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