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Tribos indígenas são estigmatizadas por comunidades vizinhas na

Correio da Bahia-Salvador-BA
Autor: (Jean Wyllys)
19 de Abr de 2002

Pesquisa de antropóloga revela preconceitos enraizados na população

Ao contrário do que pensa a maioria dos brasileiros e mesmo algumas autoridades, os índios não estão desaparecendo. O número de populações indígenas vem crescendo bastante nas últimas décadas segundo estatísticas da (Anai) e do programa de pesquisa Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (Pineb) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Muitas comunidades estão assumindo e reivindicando o reconhecimento oficial de sua identidade indígena, sobretudo no Nordeste do Brasil. Em outras, essa identidade permanece recalcada, como é o caso de Bom Sucesso, comunidade da zona rural do município de Correntina a 910 kmde Salvador.
A população de Bom Sucesso é atualmente objeto de estudo da antropóloga Ana Magda Carvalho, 28 anos, ligada ao Pineb. Segundo ela, a identidade indígena dessa comunidade permanece recalcada devido "à forte estigmatização de que é vítima por parte dos vizinhos não-índios, que a considera feia, suja e malvada". A população de Bom Sucesso é composta de cerca de 130 famílias, espremidas em uma área de aproximadamente mil hectares e situada entre o cerrado e as margens do Rio Arrojado. É grande a presença de alcoólatras entre os
moradores, assim como a de evangélicos.
Ao lado das violências simbólicas que recalcam a identidade indígena, a antropóloga observou a existência de "uma memória social que reconhece a presença de índios selvagens no passado naquele mesmo lugar e reconhece que esses selvagens experimentaram uma morte cultural". Esta memória, segundo Ana Magda Carvalho, manifesta-se nas narrativas orais da comunidade registradas no período em que esteve em Bom Sucesso. "Na Lagoa do Chiqueiro
tinha um peixe encantado que foi parido por uma tapuia mansa, Sinhora, mulher do finado Firmino Pelado, pai do Véio Buda. Diz que o peixe mudou da lagoa para o rio, ficou encantado", conta o povo do lugar. A antropóloga interpreta a expressão "tapuia mansa" como uma referência ao índio aculturado e o apelido "pelado" como uma referência ao hábito dos índios selvagens de andarem nus. "Existem outras narrativas. Elas revelam que a identidade indígena pode vir à tona, mas no momento ela permanece recalcada", diz. O povo de Bom
Sucesso não se reconhece como indígena porque partilha a idéia da maioria das pessoas de que índio é aquele que anda nu e usa cocar. "O processo de formação de autoconsciência é lento e aceleração só se dá quando há algum conflito entre a comunidade e, por exemplo, fazendeiros", explica Ana Magda Carvalho, lembrando que a luta pela terra foi um dos fatores que levaram os povos indígenas do Nordeste a se reconhecerem enquanto tais.
Estatísticas - De acordo com a Anai, existem, no Brasil, cerca de 350 mil índios, distribuídos em aproximadamente 200 povos diferentes, falantes de, mais ou menos, 170 línguas. Esse total representa o contingente de índios que vive em comunidades indígenas formalmente reconhecidas pelo governo federal, mais o dos seus membros referidos como tais mas que estejam temporariamente ausentes. Cerca de 50% da população indígena vivem na Amazônia,
que é metade do território brasileiro, e os outros 50% fora dela. Dessa parte, 70 mil estão no Nordeste e 12 mil na Bahia.
Segundo dados da Anai, os povos indígenas atualmente existentes na Bahia são, de norte a sul: Tumbalalá, Tuxá, Kantaruré, Pankararé, Kaimbé, Kiriri, Pankaru, Tupinambá de Olivença, Pataxó Hã-hã-hãe e Pataxó. Além desses, vive na Bahia uma pequena comunidade de Xukuru-kariri, que é um povo que fica, em sua maior parte, em Alagoas. Desses 11 povos, o Tumbalalá e o Tupinambá de Olivença foram reconhecidos recentemente pela União. O Pankararé, o Kantaruré e o Pankaru nos últimos 20 anos. Os demais entre 1945 e 1980, o que
significa que há pouco mais de 50 anos não havia comunidades indígenas na Bahia.
De acordo com Ana Magda Carvalho, devido ao preconceito (comum também na mídia) de que índio é aquele que se pinta, anda nu e usa cocar, não basta que um povo reivindique sua etnia por meio de elementos discursivos e políticos para que a União o reconheça como indígena.

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