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"Transposição do rio é ilusão"

CB, Brasil, p. 17
Autor: DIAS, Wellington
15 de Abr de 2005

"Transposição do rio é ilusão"

Entrevista - Wellington Dias

A transposição do Rio São Francisco não vai levar água aos que mais sentem sede e servirá apenas aos grandes agricultores. O argumento, ouvido normalmente pelos maiores opositores do governo Luiz Inácio Lula da Silva, é do petista Wellington Dias, governador do Piauí e fundador do partido no estado. Ele fala com conhecimento de causa. Cerca de 70% dos municípios do seu estado estão na região do semi-árido, a que mais sofre com o baixo índice pluviométrico e a irregularidade das chuvas. "É preciso pensar nos grandes, é claro, mas a prioridade deve estar nos pequenos que precisam de água desesperadamente", disse ao Correio. "O Brasil não gasta pouco em água. O presidente Lula ampliou os recursos. Mas ainda está aquém do que a situação mereceria."
A solução, de acordo com o governador, está nas pequenas obras como a construção de cisternas familiares. O custo delas não é alto - R$ 1, 2 mil, em média - e cada uma é capaz de fornecer água potável para uma família inteira durante os oito meses de seca. "A liberação de recursos para a construção de cisternas acontece num volume muito inferior ao necessário. É preciso ter coragem para separar parte dos investimentos reservados para a transposição e matar a sede do povo", diz.

Correio Braziliense - A transposição do rio São Francisco está no topo da lista de prioridades do presidente Lula. O senhor acha que essa é a solução para matar a sede da população do semi-árido?

Wellington Dias - Atualmente, no Piauí, 179 mil pessoas não são atendidas com água potável. bebem água com catinga da urina dos animais, mais parecida com um suco de buriti (uma fruta alaranjada clara, típica da região). A estratégia de interligar as bacias pode até ser válida, mas não podemos vender a ilusão de que a transposição das águas do São Francisco vai ser a solução. Será a solução só das pessoas que morarão próximo aos canais. As adutoras não são adequadas para matar a sede da família que vive no interior. A adutora pode até atender uma região, mas não a família que continuará com sede.

Correio - Qual é a solução?

Dias - Precisamos de um programa de universalização da água, com cisternas, lagos subterrâneos e barragens, por exemplo. São idéias que precisam de mais força e ainda não receberam a atenção que merecem. Há mais de 25 anos, quando a gente começou a introduzir esse conceito das cisternas para matar a sede do povo, havia muito preconceito. Mas, pelo custo de R$ 1,2 mil é possível construir uma cisterna que fornecerá água para beber a uma família por cerca de oito meses. Ou seja, durante a estiagem.

Correio - E por que essa proposta não vinga?

Dias - A nossa meta é garantir água de qualidade para o consumo humano, um pouco para os animais e um pouco para as produções. O problema é que a liberação de recursos para a construção de cisternas acontece num volume muito inferior ao necessário. É necessário ter coragem para separar parte dos investimentos reservados para a transposição para matar a sede do povo de forma efetiva. E não precisa de muito dinheiro: com R$ 1,2 bilhão poderemos construir um milhão de cisternas, o suficiente para toda a região do semi-árido, e não apenas o Piauí.

Correio - Então o senhor é contra a transposição?

Dias - O país tem que ter adutoras, grandes reservatórios para pensar na grande produção. Mas estou propondo ao governo uma pequena divisão. Dispomos de R$ 4,5 bilhões para a interligação das bacias. Ao invés de colocarmos todo esse dinheiro na transposição, separamos 20% para construção de cisternas - o que é mais que suficiente para zerar o número de pessoas sem água potável no nordeste. É preciso pensar nos grandes, é claro, mas a prioridade deve estar nos pequenos que precisam desesperadamente.

Correio - E como está o olhar dos pequenos do semi-árido nesse campo?
Dias - Agora, os governos começam a ter sensibilidade. Coisa que o Congresso ainda não tem. Parte dos parlamentares ainda não foi convencida da importância do convívio com o semi-árido. Em 1996, eu, Waldir Pires (ministro-chefe da Controladoria Geral da União) e José Pimentel (deputado do PT/BA)apresentamos um projeto propondo a criação de um programa permanente de convivência com o semi-árido. A base é simples: a universalização da água começa com pequenas obras. Por isso é tão importante garantir recursos para as pequenas soluções .

Correio - Como está o projeto?

Dias - Está parado. Falta vontade política no Congresso.

Correio - Falta dinheiro para investir nos programas de convivência com a seca?

Dias - Não. O Brasil não gasta pouco em água. O presidente Lula ampliou os recursos. Mas ainda está aquém do que a situação mereceria e do que o lado social do presidente.

Correio - E só dar água é suficiente?
Dias - Precisamos introduzir uma cultura diferente nas pessoas que vivem no semi-árido. É possível ter qualidade de vida no semi-árido, não adianta culpar Deus. O grave não é a falta de chuva , é a pobreza a falta de educação e cultura para convivência com a seca. Quando assumi o governo, em 2002, mais de 65% da população adulta era analfabeta no estado. Estamos lutando para mudar esse cenário. E, a partir disso, o sertanejo aprenderá a cultivar as plantas que precisam de pouca água para sobreviver, como algodão, manga, umbu e mamona. O mesmo vale para os animais. O boi pé-duro, a abelha africana, os caprinos e a galinha caipira. (EK)

CB, 15/04/2005, Brasil, p. 17

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