VOLTAR

Transposicao de Velho Chico

JB, Outras Opinioes, p.A15
Autor: SILVA, Gilberto Alves da
03 de Nov de 2004

Transposição do Velho Chico
Gilberto Alves da Silva
Professor
O assunto é controvertido, existindo duas correntes de pensadores. A dos imediatistas, formada pela classe política, que querem fazer chegar água, a qualquer custo, nas torneiras dos que sofrem com a seca no semi-árido, e a dos ponderados, os que se baseiam nos fatos técnicos, que se preocupam com os problemas que poderão advir desta transposição.
Estamos cansados de ver obras faraônicas no Brasil realizadas com recursos dos impostos, que não chegaram a lugar algum. A barragem de Orós, no Estado do Ceará, é um exemplo. Com uma capacidade de 2 bilhões de metros cúbicos, até hoje não justificou o porquê da sua construção. Sua água está evaporando e não se tem conhecimento de um projeto de envergadura para o seu aproveitamento. O grande problema de água no semi-árido nordestino está ligado à distribuição deste líquido e não a sua falta.
Este semi-árido é o mais chuvoso do planeta, com uma média de chuva de 750 mm/ano. Dentro da região, a pluviosidade varia de 250mm/ano até 800mm/ano, com a característica de ser irregular tanto no tempo como no espaço. Esta quantidade de chuva, junto com as águas de superfície - São Francisco e Parnaíba - e águas de subsolo, faz com que o semi-árido seja perfeitamente viável para a vida humana.
O que se passa, realmente, é que as temperaturas médias são sempre acima de 18o C e o clima proporciona de 2.800 horas a 3.000 horas de sol por ano, provocando altas taxas de evapotranspiração, consumindo em torno de 92% da precipitação média. Isto quer dizer que a evaporação é muito grande devido à insolação e a incidência dos ventos. O aproveitamento desta precipitação seria uma saída mais simples e mais barata.
A China vem enfrentando a seca no seu semi-árido com a construção de cisternas, utilizando um sistema que capta e armazena a água da chuva para abastecer a população no período da seca.
Este sistema é formado por três partes: área de captação(100 m2 ), duas cisternas de armazenamento de água (uma para água potável e outra para irrigação) e uma área de terra a ser irrigada (com produção de culturas comercializáveis). O governo dá o cimento para a construção dos tanques e as famílias contribuem com a areia e a mão-de-obra. Este programa começou em 1995, quando foi priorizado o abastecimento de água potável. Hoje, o seu objetivo está direcionado para a irrigação em escala familiar.
Ele resultou no aumento das colheitas de grãos e de frutas e na produção de hortaliças em estufas. Construíram mais de 2 milhões de cisternas (73,1 milhões de metros cúbicos de água), que saciaram a sede de 1,3 milhão de pessoas e 1,1 milhão de animais. Mais de 1 milhão de pessoas saiu da condição de pobreza, o que levou outros estados a adotarem um sistema semelhante. Para o oeste da China está prevista a construção de terraços em encostas, com 2,5 milhões de cisternas e irrigação de 400 mil hectares.
No Brasil, o sistema que vem sendo testado pelas Pastorais das Igrejas e ONGs, que trabalham no semi-árido nordestino, é denominado dois-um 1: dois tipos de água e a terra, o que poderá ser uma alternativa à transposição, evitando-se que continuemos no modelo bem conhecido no Brasil, o das grandes obras.
Estudos realizados sobre o tema, mostram que a população beneficiada com a transposição, não ultrapassa 0,28% do total e a área a ser atingida é de 5%. Portanto, o alto investimento deste projeto de transposição, incluindo-se nele a conexão da bacia do Tocantins com a do São Francisco, orçado em U$ 6,5 bilhões, além dos impactos ambientais e os custos de manutenção e bombeamento do sistema são pontos a se pensar. O Comitê da Bacia do São Francisco inviabilizou a obra nos moldes propostos pelo Governo Federal. É bom lembrar que a posição deste Comitê é técnica. É uma obra faraônica de investimento altíssimo que, segundo estudiosos no assunto, não vem resolver o problema do semi-árido brasileiro. É bom que as nossas autoridades pensem bem nesta questão.

JB, 03/11/2004, p. A15

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.