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Transparência e responsabilidade

OESP, Economia, p. B2
Autor: BUAINAIN, Antônio Márcio
22 de Fev de 2011

Transparência e responsabilidade

Antônio Márcio Buainain

Em artigo recente (Sociedade, Subsídios e BNDES, Folha de S.Paulo, 31/1), o jornalista Roberto Smeraldi, diretor da Oscip Amigos da Terra - Amazônia, discute as ações do BNDES sob um ponto de vista que procura superar a análise dos prós e contras de projetos polêmicos que têm bloqueado uma interlocução efetiva entre os interessados - como vem ocorrendo com tantos outros assuntos do tipo, como o Código Florestal - e acabam não produzindo resultados satisfatórios para a sociedade. Na verdade, Smeraldi chama a atenção para assuntos relevantes que transcendem as ações do BNDES: transparência, responsabilidade, accountability.
Subsídios, subvenções e escolhas de ganhadores e perdedores fazem parte da política e são instrumentos perfeitamente válidos e justificáveis de política econômica e de desenvolvimento. "Não é para ter medo de subsídio, se transparente e bem direcionado", diz Smeraldi. O problema estaria na falta de transparência e, de certo modo, de responsabilidade no processo de definição de prioridades e na canalização dos subsídios e subvenções para esse ou aquele segmento. "O problema não reside só no banco: Congresso, governos locais, sociedade civil, tribunais de conta, academia e imprensa ainda pouco contribuíram para definir o mandato da sociedade ao banco; aí surgem lógicas e conveniências políticas que fogem à compreensão." Esse argumento poderia ser estendido para muitas outras esferas da vida pública: a sociedade não tem meios para definir claramente o mandato das instituições públicas, que acabam respondendo mais aos lobbies internos e externos ao governo e às pressões dos setores mais organizados e com maior capacidade de fazer barulho e/ou de embaraçar politicamente os empresários. E, apenas por coincidências, tais interesses privados convergem para os da sociedade em geral ou, em seu conjunto, dão vida a uma estratégia consistente de desenvolvimento sustentável.
O orçamento público, cuja preparação, aprovação e execução são, ao menos em tese, peças, momentos e procedimentos fundamentais do processo democrático, no País é um processo obscuro e envolto em negociatas políticas, às vezes de baixo nível. Falta transparência nas prioridades políticas e na explicitação de quem paga e quem se beneficia das ações do Estado. Construído em bases falsas, é sempre necessário ajustá-lo à realidade; mais um momento de negociação politiqueira e de afirmação do poder da burocracia, que define onde e quanto cortar, em geral respondendo mais às pressões organizadas do que à sociedade sem expressão. E as liberações são utilizadas como instrumento de submissão dos poderes da federação aos interesses do governo federal.
Parece que a transparência amedronta os governantes. Em vez de se abrirem para um debate de nível elevado, provendo informações e argumentos para justificar suas opções, preferem desclassificar vozes discordantes e agir à meialuz, protegidos pela legalidade, mas não necessariamente pela legitimidade. A aprovação das contas é suficiente para justificá-las. Se interpreto corretamente o subtexto de Smeraldi, faltaria accountability na sociedade brasileira, implicando mais do que fechar um balanço contábil: além da transparência, é preciso responsabilidade e capacidade para justificar, perante a sociedade, as decisões tomadas e as ações executadas. E, para isso, é preciso levar em conta alternativas viáveis e examinar o custo de oportunidade gerado com uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, com uma visão de futuro, e não apenas com as lentes estreitas de interesses imediatos e de curto prazo.
As decisões em pauta nos próximos 18 meses podem marcar o que será o País em 20 anos. Cada real alocado em um projeto é subtraído de outro: precisamos mesmo de um trem-bala ou seria melhor investir em transporte urbano? É melhor subvencionar a globalização de grupos nacionais ou a inovação, verdadeira alavanca do desenvolvimento? Investir em inclusão social efetiva ou gastar apenas em proteção?
Accountability neles!!!

Professor do Instituto de Economia da UNICAMP
Email: BUAINAIN@ECO.UNICAMP.BR

OESP, 22/02/2011, Economia, p. B2

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110222/not_imp682733,0.php

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