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Translama termina em cidade retocada

O Globo, País, p. 6
08 de Nov de 2016

Translama termina em cidade retocada
Estrada que segue curso do destruído rio Gualaxo do Norte muda de cor ao chegar à Barra Longa

ANA LUCIA AZEVEDO
Enviada especial ala@oglobo.com.br

À medida que a MG-326 se aproxima de Barra Longa, o tronco das árvores às suas margens muda de cor. Quase toda sem pavimento, a estrada segue o curso do destruído Rio Gualaxo do Norte. É a "Translama". E o seu caminho acompanha a devastação causada pela onda de rejeito de minério da Barragem de Fundão, da Samarco, que se rompeu em 5 de novembro do ano passado.
Do arrasado Paracatu de Baixo à Gesteira, são 19 quilômetros de poeira e árvores cor de lama à beira da estrada. Mas nos últimos meses, a partir de Gesteira, o ocre dos óxidos de ferro de lama seca se cobriu do branco caiado. As árvores são o primeiro sinal do canteiro de obras no qual se transformou Barra Longa em 2016. Com seis mil habitantes, ela é a única cidade cujo centro urbano foi arrasado pelo rompimento, ocorrido a 70 quilômetros de distância. E a única também onde os trabalhos de recuperação avançaram.
A Samarco diz que 90% das obras de reconstrução foram concluídas. Símbolo maior desse trabalho, a Praça Manoel Lino Mol, destruída pela onda que chegou em Barra Longa na madrugada de 6 de novembro, teve as árvores mais do que pintadas. Lá elas foram lavadas. Flores, plantadas.
A lembrança viva da tragédia, porém, continua a atravessar a cidade. O rio que domina sua paisagem, o Carmo, carrega o mesmo ocre removido das árvores. O Carmo recebe a cor do Gualaxo do Norte, que nele deságua perto da entrada de Barra Longa. O esverdeado do Carmo, que já não era limpo, desaparece. E o ocrelama não morre no Carmo. Prossegue no Rio Doce que dele se origina e neste avança até o Atlântico, na costa capixaba.
Casas, ruas, pontes, escolas e redes de água e energia foram reconstruídas ou reformadas em Barra Longa. O calçamento de boa parte da cidade foi refeito.
Mas a lama removida das ruas, praças e das margens e leito do Carmo não deverá ir longe. Barra Longa e o reservatório da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves (Candonga) foram os únicos lugares onde aconteceu remoção de lama em toda a zona do desastre, que se estende por 663,2 quilômetros, de Mariana, em Minas, à foz do Doce, em Regência, Espírito Santo.
A Samarco removeu 537 mil dos 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram de sua barragem. Destes, 157 mil foram retirados de Barra Longa. Sem ter para onde levar o rejeito, a Samarco colocou a lama, a princípio provisoriamente, numa fazenda perto da cidade e num terreno onde seria construído um parque de exposições.
Este último depósito custou à empresa em agosto mais uma multa do Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no valor de R$ 1 milhão. A empresa recorreu e disse que vai colocar o rejeito num campo de futebol, que será reformado até o ano que vem.
As obras prosseguem dentro e fora da cidade. Em Gesteira, um distrito rural de Barra Longa, as 19 famílias atingidas tiveram suas casas reconstruídas ou em reconstrução nas partes mais altas da localidade, segundo o diretor do Projeto de Reassentamento da Fundação Renova, Álvaro Pereira.
Já a parte devastada virou território da lama. Gesteira fica numa planície de inundação. E a lama, como o fez em outras partes planas do curso do Gualaxo, mudou sua geografia.
- A área próxima à Barra Longa se parece agora a uma grande várzea - observa João Herbert Moreira Viana, especialista em recuperação de solos e pesquisador da Embrapa, que estuda a área afetada.
Nessa área de geografia transformada parece não haver lugar nem para as lendas. O caboclo d'água, monstro folclórico do Gualaxo do Norte que os ribeirinhos acreditam ter morrido engolido pela onda de rejeito, desapareceu de vez de Barra Longa, cidade de origem do mito. A estátua do caboclo sumiu no aniversário de um ano da tragédia. Ela resistiu à passagem da lama e às obras, mas, no último fim de semana, quando o desastre completou um ano, sumiu do pedestal e fez do caboclo uma lenda duas vezes exterminada.

O Globo, 08/11/2016, País, p. 6

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