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Transgênicos:brasileiros

O Globo, Revista O Globo, p. 22-29
Autor: RECH, Elíbio
24 de Abr de 2005

Transgênicos:brasileiros

Por Rodrigo Rangel, de Brasília

A idéia é para super-herói nenhum botar defeito. Imagine uma roupa feita de tecido à base de teia de aranha e totalmente à prova de balas. O projeto, que já deixou o campo da ficção e começa a ser esboçado em laboratórios, integra uma extensa lista de pesquisas com transgênicos desenvolvidas na Embrapa Recursos Genéticos, um dos principais centros de biotecnologia do país, sediado na capital federal. As pesquisas são das mais variadas. Envolvem desde o melhoramento genético de grãos como a soja até a criação de plantas-vacinas e o desenvolvimento de produtos inéditos como o tecido super-resistente a que se pretende chegar a partir da proteína da teia de aranha. Essas pesquisas ainda despertam a ira dos ambientalistas, mas ganharam novo fôlego com a aprovação Lei de Biossegurança no Congresso.
Os experimentos em biotecnologia que já vinham sendo tocados sob as restrições da legislação antiga agora terão caminho aberto para seguir adiante. As pesquisas atraem interesses dos mais diversos. Desde multinacionais ávidas por investir nos experimentos em troca de novas tecnologias (e de dinheiro) até as Forças Armadas. O Exército Brasileiro acaba de firmar parceria com a Embrapa para buscar investimentos que possam ajudar a acelerar as experiências destinadas a obter derivados da teia de aranha. O comando das Forças Armadas tem interesse em aproveitar a pesquisa para fins militares.

SOB O TÍTULO "GENOMA DA aranha", a pesquisa que visa à obtenção de um tecido mais resistente é realizada pela Embrapa em conjunto com o Instituto Butantã e as universidades de Brasília (UnB) e de São Paulo (USP). A primeira etapa já foi vencida. Pesquisando o genoma da aranha, os cientistas isolaram o gene responsável pela produção da teia. A meta, agora, é introduzi-lo na estrutura genética de outros organismos - na planta de soja e nas vacas, por exemplo - até que seja possível encontrar um meio de produzir a proteína da teia em larga escala. Feito isso, a substância, líquida, poderá ser extraída, por exemplo, do leite da vaca ou da semente de soja. A separação seria feita por meio de processos químicos.- Nós queremos produzir a proteína da teia sem depender da aranha, que nos dá pequenas quantidades apenas - resume o pesquisador Elíbio Rech, coordenador da experiência.Com o domínio da técnica, a etapa seguinte será tentar transformar o líquido em fibras para obter o tecido à prova de balas. É meio caminho andado, também, para produzir o chamado bioaço. - Imagine fuselagem de aviões e cascos de navio, que sofrem tremendo impacto, feitos a partir de um material tão resistente quanto o aço, mas muito mais flexível - sonha Rech.Teia de aranha brasileira é mais resistentePesquisas semelhantes com a proteína da teia são desenvolvidas em outros países, como o Canadá. Mas os cientistas brasileiros contam com uma vantagem. O diferencial está na resistência da teia de algumas espécies de aranha nativas do Brasil, principalmente do cerrado. As experiências daqui, porém, esbarram num obstáculo que está longe de ser científico: a falta de dinheiro. Para o projeto "Genoma da aranha", por exemplo, a Embrapa tem parcos R$50 mil. Calcula-se que seria preciso pelo menos dez vezes mais para que o trabalho seguisse no ritmo ideal. Agora, com o apoio institucional do Exército, os cientistas tentarão obter dinheiro extra. Há planos de também testar o mesmo gene da aranha em plantas de algodão, na tentativa de obter fios altamente resistentes.Na Embrapa, as pesquisas que não carecem de recursos são as desenvolvidas em parceria com empresas. Concorrentes no mercado de defensivos agrícolas, as multinacionais Basf e Monsanto patrocinam experimentos destinados a obter duas variedades de soja resistentes a herbicidas. As demais pesquisas com transgênicos, assim como essas, têm objetivos quase sempre semelhantes: por meio de alterações genéticas, os pesquisadores geralmente buscam potencializar vantagens ou superar limitações de plantas e animais para aumentar a resistência contra doenças e produtos químicos.Alface-vacina contra diarréia e leishmanioseEntre as novidades da Embrapa, figuram duas variedades de alface-vacina que em breve estarão sendo testadas em porquinhos-da-índia. Uma delas contém alterações genéticas que têm por objetivo proteger da diarréia aqueles que comerem a folha. A outra protege contra a ação do protozoário causador da leishmaniose. Assim como as demais plantas transgênicas em fase de testes, os pés de alface são mantidos confinados em estufas. Se a pesquisa der certo, as folhas estarão prontas para serem receitadas para seres humanos. Mas jamais serão consumidas como alimento porque, como frisam os especialistas, as linhas de produção serão totalmente distintas justamente para não haver confusão. A alface será triturada e dividida em cápsulas, para ser administrada como outro remédio qualquer. - Uma vantagem disso é que, em vez de se gastar muito com o transporte de vacinas para regiões mais remotas do Norte e Nordeste, por exemplo, bastará plantar a alface e produzir lá mesmo a vacina natural. O trabalho será só com a preparação das doses - observa o cientista Francisco Aragão.Paralelamente, estão em desenvolvimento outras três experiências que objetivam obter produtos farmacêuticos a baixo custo. Em conjunto com universidades, foram desenvolvidas plantas de soja que produzem, nas sementes, hormônio do crescimento humano, derivados do sangue e até anticorpos para combater o câncer. As pesquisas encontram-se em fase de testes - os cientistas estão averiguando a quantidade dessas substâncias que cada semente é capaz de produzir (a purificação é feita em laboratório). Os resultados se mostram promissores.- Já conseguimos chegar a 10 miligramas numa só planta. Concluímos que a quantidade não será fator limitante - diz Aragão.Uma dose de anticorpos contra o câncer, usada no tratamento da doença, chega a custar R$3 mil. A produção dos anticorpos, hoje, é feita em células animais e de bactérias. Com a técnica transferida para vegetais, calculam os pesquisadores, o custo pode ser barateado entre um décimo e um centésimo.

Entenda a Lei de Biossegurança
Aprovada no último dia 2 de março pela Câmara dos Deputados, a Lei de Biossegurança libera a comercialização, produção, pesquisa, armazenamento, cultivo e consumo de transgênicos no Brasil. Também autoriza a utilização de embriões humanos para pesquisas com células-tronco. Numericamente, o projeto passou com facilidade pelo crivo do plenário. Foram 352 votos contra 60. Mas a resistência da minoria contrária foi barulhenta.
A nova legislação amplia os poderes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNBio, de avaliar os pedidos de liberação de transgênicos. O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), subordinado à Presidência da República, funcionará como última instância de decisão.
Antes da aprovação da nova lei pelo Congresso, também cabia à CTNBio decidir sobre a liberação de pesquisas e produtos transgênicos, mas os ministérios tinham poder de veto. Podiam, portanto, cassar a decisão da comissão. Agora, podem no máximo recorrer. O recurso será submetido ao CNBS, composto por 11 ministros e presidido pelo chefe da Casa Civil da Presidência.

EM OUTRA FRENTE, A EMBRAPA testa variedades de soja resistentes à seca. Numa das experiências, os pesquisadores introduziram no genoma da planta um gene resistente a condições adversas encontrado na erva Arabidopsis thaliana, característica de climas temperados. Plantas de fumo que receberam o gene resistiram a quatro dias sem água.A Embrapa está testando também variedades de mamão, batata e feijão resistentes a pragas e doenças que atacam as lavouras. O feijão imune ao mosaico dourado, doença que provoca nanismo nas plantas e enrugamento nos grãos, já está sendo plantado pela segunda vez num centro da Embrapa próximo a Goiânia (GO).Seguindo o que dizia Hipócrates há mais de 2.500 anos ("que teu alimento seja teu remédio"), a pesquisadora Damaris Monte vem desenvolvendo experimentos para tornar a banana mais nutritiva. Ela quer introduzir na cadeia genética da fruta um reforço de vitaminas e minerais.- Até aqui o melhoramento genético sempre esteve a serviço da quantidade. Está na hora de darmos atenção agora à qualidade. Pode ser uma boa solução para a segurança alimentar de comunidades carentes - defende.Em outra ponta das pesquisas, no ramo da transgenia animal, o pesquisador Rodolfo Rumpf projeta para breve uma novidade. Criador dos já famosos clones Lenda e Vitória, da Embrapa, ele prepara terreno para clonar vacas geneticamente modificadas para produzir mais leite. Rumpf usará genes de vacas holandesas para construir embriões que serão enxertados em animais comuns. O nascimento da primeira bezerra está previsto para o ano que vem.- Quem sabe em breve não tenhamos uma prima transgênica da Lenda, que é o clone mais perfeito que já fizemos - brinca Rumpf.Os cientistas garantem que os transgênicos não fazem mal à saúde humana (nunca um estudo comprovou isso), nem ao meio ambiente. Mas os produtos estão longe de serem bem vistos por organizações ambientalistas e até por uma parte do mesmo governo federal que apoiou, semanas atrás, a aprovação da Lei de Biossegurança no Congresso. O Greenpeace, entidade que prega a ecologia ao redor do mundo, tem até uma campanha específica contra os organismos geneticamente modificados. A principal preocupação é com possíveis efeitos colaterais dos transgênicos sobre o meio ambiente.
- A engenharia genética é uma tecnologia imprecisa. Sempre é possível haver efeitos secundários inesperados - diz o engenheiro agrônomo Ventura Barbeiro, um dos responsáveis pela campanha do Greenpeace contra a liberação dos transgênicos.Ministério é contra liberação de transgênicosAlém de afirmarem que as conseqüências dos transgênicos sobre a natureza são desconhecidas e pouco previsíveis, os ambientalistas dizem que a tecnologia pode favorecer a criação de "superpragas" - os insetos que atacam lavouras podem se adaptar, por exemplo, a variedades de plantas pretensamente resistentes.O Ministério do Meio Ambiente é assumidamente contra a liberação transgênicos. Tem divergências públicas com representantes de outras duas pastas ligadas ao tema, a de Ciência e Tecnologia e a da Agricultura. O motivo da resistência está no que seus técnicos chamam de incerteza quanto à segurança dos produtos geneticamente modificados.- A gente não quer nem entrar no mérito da biotecnologia. Avaliamos apenas pelo aspecto da biossegurança. E é impossível comprovar que esses produtos são 100% seguros - diz o gerente de recursos genéticos do ministério, Rubens Nodari.

Transgenia tornará país bem mais competitivo
'ecnologia permite desenvolver produtos inovadores"

Uma das maiores autoridades do país quando o assunto é pesquisa com transgênicos, o carioca Elíbio Rech, 49 anos, encabeça mais de uma dezena de projetos. PhD em genética celular e molecular, pesquisador da Embrapa desde o início dos anos 80, ele defende com ardor os produtos transgênicos e cobra mais investimentos tanto do governo quanto da iniciativa privada para alavancar as pesquisas em curso no país.

Que vantagens os transgênicos podem trazer?

Elíbio Rech: São muitas as vantagens, com impacto na questão econômica, na ampliação da competitividade do agronegócio nacional e nas possibilidades de melhoria de produtos da agricultura familiar, por exemplo. É possível introduzir características e gerar novos materiais. É uma tecnologia que permite desenvolver produtos completamente inovadores para todos os setores de produção, desde a agropecuária até a indústria, passando pelo setor farmacêutico.

Como o senhor vê a dura oposição que o tema desperta?

Rech: As pessoas têm dúvidas em relação à segurança. Entretanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) atestam que todos os produtos que estão no mercado não causam prejuízos à saúde. A soja, por exemplo, está há dez anos no mercado. Até hoje não houve problemas nem para a saúde animal nem para o meio ambiente.

Quais as principais promessas hoje no Brasil em relação às pesquisas com transgenia?

Rech: Existem várias pesquisas interessantes, como a produção de fármacos em plantas, para reduzir custos de produção e viabilizar que uma maior camada da população tenha acesso a medicamentos caros. Há também o desenvolvimento de novos materiais, usando polímeros da nossa biodiversidade... Isso vai agregar valor, gerar empregos, e muitas possibilidades de se abrirem microempresas.

É possível dizer que o Brasil está num patamar pelo menos razoável nas pesquisas?

Rech: Sem dúvida. Temos laboratórios que são referência em nível mundial na área de desenvolvimento de transgênicos. O Brasil está bem posicionado em termos de competência tecnológica e de domínio de tecnologia, bem como de recursos humanos. Precisamos de mais investimentos.

Quais as expectativas do senhor com a aprovação da Lei de Biossegurança?

Rech: A lei é um indicativo de que o Brasil vai investir em tecnologia de ponta, que essa tecnologia é importante para o país e para a competitividade do agronegócio. Isso já possibilita uma melhor visão do país e abre a possibilidade de investimentos futuros.

O Globo, 24/04/2005, Revista O Globo, p. 22-29

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