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Transgênicos, questão ética

CB, Opinião, p. 9
Autor: GRISÓLIA, Cesar Koppe
08 de Dez de 2003

Transgênicos, questão ética

Cesar Koppe Grisolia
Professor da UnB

A ética consiste num grupo de princípios que guiam as ações humanas, associadas à moral e ao comportamento. A bioética é área da ética ligada às ciências da vida que se preocupa com a má conduta científica, práticas científicas questionáveis e outros erros do gênero. Tais princípios baseiam-se na beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça. Como eles se aplicariam aos organismos geneticamente modificados ou transgênicos?

Essa biotecnologia consiste em alterar o material genético de um organismo por meios artificiais, com objetivos específicos. O procedimento constitui instrumento poderoso e pode ser utilizado com finalidades ambíguas como: construção de armas biológicas, objetivos eugênicos, abuso da propriedade intelectual e domínio do mercado, aumento das desigualdades entre os países ricos e os em desenvolvimento.

Mas também pode ser utilizada para beneficiar populações pobres, produzindo alimentos mais nutritivos e baratos, para sintetizar medicamentos, hormônios e outras substâncias de importância para a saúde. Pode ser empregada no tratamento de doenças genéticas, até hoje incuráveis, por meio da terapia gênica, no tratamento do câncer e de outras doenças degenerativas. Ao associarmos os transgênicos aos princípios éticos, que respostas encontramos?

Os benefícios ainda não se mostraram convincentes para a aceitação popular irrestrita. Entretanto, a utilização de transgênicos nas áreas médicas não têm os mesmos questionamentos populares que as plantas transgênicas produtoras de alimentos. Não-maleficência: quem decide sobre o que é bom? Que estudos demonstram que os transgênicos não causam mal à saúde humana e ao meio ambiente? Ainda não há demonstração sobre a sua segurança. Autonomia: significa respeito às decisões individuais. Os indivíduos devem ser suficientemente informados para poderem tomar as próprias decisões.

Isso não está ocorrendo. Não há respeito às leis de rotulagem, bem como não há fiscalização sobre os alimentos derivados de transgênicos, os quais deveriam ser rotulados. As empresas multinacionais, que estão trazendo pacotes biotecnológicos para o Brasil, resistem em fazer estudos de impactos ambientais. Justiça: todas as camadas da sociedade deveriam ter acesso aos benefícios. Novamente, o acesso aos benefícios estão restritos às elites e não há atribuição de responsabilidades aos que, se utilizando de transgênicos, lesem terceiros ou agridem o meio ambiente.

A ética de um povo é um conjunto de costumes consagrados, em que um núcleo de questões devem ser conduzidas dentro de regras de caráter moral e não sancionadas juridicamente. Até onde as ciências da vida poderão avançar sem que haja agressões à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente? O que está em questionamento não é a biotecnologia que gera os transgênicos, mas as suas intenções de uso, como a sua manipulação com objetivos espúrios, bem como a possibilidade de se tornarem mais um instrumento de submissão de populações e de países.

Trata-se de ética, quando relacionamos os transgênicos às questões de mercado, de poder e culturais. Trata-se de bioética, quando construímos transgênicos como seres aberrantes, que contrariam as leis da natureza. O homem adquiriu a competência para interferir na hereditariedade de todos os outros seres vivos, inclusive na própria. Um organismo que recebe um gene artificialmente passa a apresentar as novas características determinadas pelo novo gene. Entretanto, o procedimento altera diferentes funções no organismo diminuindo a sua adaptação ao meio ambiente.

Um código de bioética estabeleceria o direito inalienável de os organismos terem a herança biológica preservada. Assim, as pesquisas científicas com transgênicos, conduzidas em laboratórios de instituições públicas e privadas, devem estar amparadas por um código de ética e não por legislações, pois não podemos cercear a inteligência e criatividade dos cientistas. No entanto, a multiplicação, transporte, comércio e outras atividades correlatas com organismos geneticamente modificados devem estar regulamentadas por meio de leis específicas.

CB, 8/12/2003, Opinião, p. 9

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