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Transamazônica: A estrada sem fim

Correio Braziliense-Brasília-DF
23 de Jun de 2004

Iniciada pelos militares em 1970, a Transamazônica tem cinco mil quilômetros de extensão, mas apenas 175 são asfaltados. Agora, comissão quer que Lula cumpra a promessa de campanha e conclua a rodovia.

Uma comissão de moradores, produtores rurais e políticos de 20 municípios da Amazônia está em Brasília para cobrar do governo federal uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a conclusão da rodovia Transamazônica. Uma das maiores obras do governo militar, a estrada está completando 34 anos de agonia e descaso.

Em toda a extensão, a rodovia tem cinco mil quilômetros, mas só 1,6% dela é asfaltada. A comissão quer entregar pessoalmente ao presidente uma proposta para concluir a Transamazônica até 2013. O plano prevê o asfaltamento de 100 quilômetros da rodovia por ano a partir de 2005. Mas até agora não está confirmada a audiência com Lula, que já desmarcou o encontro três vezes por falta de espaço na agenda.

A Transamazônica nasceu como uma estratégia dos militares, que achavam a Amazônia despovoada e desprotegida naquela época, como é até hoje. Na década de 70 do século passado, o então presidente Emílio Médici teve a idéia de rasgar a estrada que começaria no município de Cabedelo, no litoral paraibano, e seguiria até Boqueirão do Esperança (AC), fronteira com Peru. Os engenheiros que projetaram a estrada deliravam. Queriam construí-la para ligar o Oceano Atlântico ao Pacífico, idéia que nunca saiu do papel. No Brasil, além da Paraíba e Acre, a estrada passa pelos estados do Piauí, Tocantins, Maranhão, Pará e Amazonas.

Povoamento - Para povoar a Amazônia a partir da Transamazônica, o governo federal incentivou a migração de brasileiros para o meio do mato, prometendo transporte e terra de graça para quem se mudasse das demais regiões rumo ao inferno verde. Atualmente, ao longo da estrada, moram cerca de 1,5 milhão de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pessoas que esperam até hoje a tão sonhada conclusão da obra. ''Essa estrada é uma herança maldita que o regime militar deixou para os outros governos'', diz o engenheiro Ramiro Maia, da Universidade Federal de Goiás, que já desenvolveu duas teses de mestrado sobre colonização a partir de estradas.

Se quiser recuperar e asfaltar a Transamazônica em toda a extensão, seriam necessários cerca de R$ 4 bilhões. Para usar na recuperação da estrada neste ano, o governo tem apenas R$ 300 milhões previstos no Plano Plurianual (PPA), que será votado no Congresso no mês que vem. No Pará, onde a rodovia tem 1,5 mil quilômetros, há asfalto em apenas 175 quilômetros. O restante dela é formada por uma via de lama e crateras, o que torna a estrada intrafegável em vários pontos. Principalmente no inverno, que dura seis meses na Amazônia.

Resistência - No Pará, a Transamazônica corta 13 municípios, que totalizam uma população de aproximadamente 800 mil pessoas. A maioria nasceu em função da abertura da estrada e fica isolada no período chuvoso porque a via torna-se intransitável por vários meses. Mesmo assim, a população que se mudou por conta da rodovia insiste em ficar lá. Mantém a esperança de um dia ver a estrada concluída. O agricultor Nerildo Rogério dos Santos, 48 anos, paranaense, foi parar no município de Rurópolis em 1981, seduzido pela terra de graça. Hoje, ele planta banana e reclama por não conseguir levar a produção para vender nas grandes cidades. ''Já perdi três carregamentos, cada um com dez toneladas de banana, porque o caminhão atola na estrada e as frutas apodrecem'', diz.

A resistência em ficar na Transamazônica também é observada na história de José Zaire, 39 anos, morador do município de Medicilândia (PA). Natural do Rio Grande do Sul, ele migrou para a Amazônia em 1986. Planta café, pimenta-do-reino e cupuaçu num lote que sequer tem energia elétrica. ''Já perdi a conta de quantas safras perdi por não ter como escoar, apesar de morar na beira da estrada. Mas minha esperança não morrerá. (...) Sonho em ver essa estrada inteiramente asfaltada'', ressalta. No período chuvoso, morar às margens da Transamazônica transforma-se num martírio. Professor de Matemática, Raimundo Oliveira diz que as escolas fecham quando as chuvas bloqueiam a estrada. A merenda escolar não chega e o ano letivo termina sem que ele passe 50% do conteúdo para os estudantes. ''No ano passado, meus alunos do primeiro ano do ensino médio da Escola Leonardo da Vinci, no município de Vitória do Xingu, não tiveram aula de função do segundo grau porque não deu tempo de ensiná-los'', diz. Dos 18 alunos matriculados nessa turma, apenas metade chegou ao fim do ano.

Na época em que as cidades ficam isoladas, chega a faltar remédio e alimentos. Com a escassez de combustível, o preço da gasolina dispara. No município de Uruará, o litro da gasolina custa R$ 2,86 quando a Transamazônica está trafegável. Quando as chuvas bloqueiam a rodovia, o preço salta para R$ 6 e só é vendida por atravessadores. Em Medicilândia, o preço chega a R$ 7.

Inaugurada por Médici

Nas décadas de 70 e 80 do século passado, a Transamazônica ganhou status de símbolo desenvolvimentista do Brasil. O primeiro trecho asfaltado, entre o município de Estreito, no Maranhão, e Itaituba, no Pará, foi inaugurado pelo presidente Emílio Médici em 1970. Até então, muita gente duvidava que a estrada rasgaria a selva fechada. Essa inauguração estimulou a migração de colonos.

Um dos maiores problemas que os moradores da Transamazônica enfrentam hoje é a falta de energia elétrica. Das cerca de 100 estradas vicinais que ligam a sede dos municípios às comunidades rurais, apenas cinco contam com eletrificadas. Os moradores ficam ainda mais revoltados porque ao logo da estrada, no Pará, passa o linhão que leva energia elétrica da usina de Tucuruí a Santarém, conhecido como Tramoeste.

Segundo o deputado José Geraldo (PT-PA), o governo federal não só abandonou a estrada como deixou de lado até projetos oficiais de colonização da Transamazônica. ''Os moradores enfrentam problemas com titulação das terras oferecidas pelo governo. Só metade das famílias que foram assentadas tem título de propriedade'', diz o deputado. Sem esse documento, os colonos ficam impossibilitados de conseguir financiamento para a agricultura.

José Geraldo hospedou mais de 20 pessoas no apartamento em que mora em Brasília. Eles participarão amanhã de sessão solene na Câmara dos Deputados para homenagear famílias de colonos que sobrevivem na estrada. Na sessão, será apresentado um vídeo que conta a história e as dificuldades de quem foi parar na Transamazônica iludido com o progresso da região.

A resistência das famílias na estrada também está sendo mostrada na exposição Transamazônica, a fronteira do sonho, da fotógrafa mineira Paula Sampaio. Filha de migrantes que seguiram para a região com o sonho de prosperar, ela documenta a colonização e o cansaço desse povo há 14 anos. As fotos estão expostas no hall da Taquigrafia como parte da comemoração dos 34 anos da estrada. (UC)

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