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A Transamazônica de Lula

CB, Opinião, p. 15
Autor: COELHO, Marco Antonio Tavares
27 de Set de 2004

A Transamazônica de Lula

Marco Antonio Tavares Coelho
Jornalista, é diretor executivo da revista Estudos Avançados da USP

A votação do orçamento de 2.005 está sendo influenciada por alguns fatos políticos. Entre eles, o pleito municipal que mobiliza as atenções e esvazia a presença dos congressistas em Brasília e o fato de o Banco Central haver elevado a taxa básica de juros, com o argumento de ser inadiável reduzir as pressões inflacionárias. (Recorde-se: o ministro Palocci condicionou a diminuição da taxa de juros a um aperto maior nas despesas da União.)
Em sendo assim, não dá para entender como o próprio governo, contraditoriamente, no projeto de orçamento estipulou um investimento fabuloso para iniciar as obras de transposição do rio São Francisco. Para facilitar a aprovação dos recursos, o governo misturou o projeto da transposição com o da revitalização do São Francisco, quando aquela é contestada pela opinião pública.
Ai estão os pronunciamentos da CNBB; da SBPC; de representantes do Ministério Público; da Cáritas; dos Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura; da quase totalidade dos especialistas em recursos hídricos e saneamento; da unanimidade das organizações ambientalistas. Ademais, os governos de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Pernambuco e Sergipe vêm manifestando suas reservas à transposição de águas, insistindo que o essencial é cuidar da revitalização do rio. Ao mesmo tempo, o Comitê da Bacia do São Francisco, a quem compete decidir sobre a gestão dessas águas, discorda rotundamente da proposta e somente aceita um pequeno desvio de águas, para fora da bacia, se ficar comprovado que, numa determinada cidade ou região, houver escassez de água para consumo humano ou de animais.
Que argumentos são apresentados contra o projeto? Afirma-se que há sérias dúvidas sobre a possibilidade de retirar-se uma parcela das águas do Velho Chico para atender a demandas fora de sua bacia. Pois ele já realiza três funções essenciais: acionar as turbinas de hidrelétricas, abastecer a população de dezenas de cidades e irrigar lavouras no próprio vale. A crescente-se ainda que pesquisas no curso do rio atestam que o volume de suas águas vem diminuindo.
Outras objeções irrespondíveis são apresentadas contra o projeto. Afirma-se que ele não resolve a situação do semi-árido, uma vez que a lógica do que se pretende fazer se apóia na realização de imensas obras de engenharia, desligadas de uma visão correta do problema das populações nordestinas. Além disso, a proposta não conseguiu até agora a imprescindível licença ambiental. Também o projeto não apresenta uma justificativa socialmente aceitável para o gasto de, no mínimo, oito bilhões de reais, desde que nem está previsto que essa água seria utilizada pela população pobre do Nordeste.
0 que há por trás desse projeto? De um lado, Lula decidiu atender a um pleito de Ciro Gomes, uma vez que esse político trabalha para ser eleito governador do Ceará, apresentando-se como quem leva água para seu estado. Simultaneamente, o governo cede às pressões de um lobby que, desde 1982, atua nos bastidores para favorecer empreiteiros, fabricantes de equipamentos de grande porte, proprietários de terras por onde passariam os aquedutos, além de beneficiar a indústria da seca.
Diante, desse escândalo, é indispensável que no Congresso Nacional, no debate do orçamento, seja amplamente examinada a transposição de águas do São Francisco. Porque é um acinte aos brasileiros apresentá-la misturada com o tema da revitalização do Velho Chico, iludindo a nação ao proclamar que o projeto é a solução para os problemas do semi-árido. Assim, não é possível que agora haja uma repetição do ocorrido na ditadura, quando obras socialmente prejudiciais, inúteis e faraônicas, eram apresentadas como absolutamente indispensáveis ao país. Por último, resta alertar o PT para o risco de o projeto da transposição do São Francisco ficar registrado na história como a Transamazônica de Lula.

CB, 27/09/2004, Opinião, p. 15

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