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Trajetória Krahô é abordada em tese de mestrado

Jornal do Tocantins-Palmas-TO
Autor: Rosalvo Leomeu
14 de Jan de 2002

Natural de Itacajá, o advogado Jorge Carneiro
Correia utiliza experiências pessoais e fatos
históricos para abordar a questão do Direito Agrário

Desde criança lembro-me da presença dos Krahô na fazenda de meu pai, tendo, assim como eu, muitos deles nascidos na própria fazenda, dentre eles, o índio Dodanim, hoje cacique. Vale lembrar que as terras hoje habitadas pelos índios Krahô pertenceram ao avô de meu pai, o sr. Agostinho Soares, e que nossa família sempre manteve laços de amizade com os Krahô." Com colocações como estas, o advogado tocantinense Jorge Carneiro Correia, 30 anos, justifica a escolha da temática Krahô, que lhe valeu nota 10 na sessão de julgamento de sua dissertação de Mestrado em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG) no segundo semestre do ano passado e que brevemente será levada ao público em livro que, mesmo antes de ser publicado, já desperta o interesse de universidades de Goiás, de Portugal, da Espanha, dos Estados Unidos e da França.

Com o título de O Índio Krahô, a Terra e o Direito Indígena, o causídico de Itacajá construiu uma narrativa densa de significados em que mostra quem é o povo Krahô e de onde ele veio, lança luzes sobre o massacre que quase extinguiu essa nação que hoje tem 1800 pessoas e, a partir daí, destaca sua organização social e política, seus mitos, ritos e costumes. Ele aprofunda sua análise abordando a temática da terra indígena desde o descobrimento do Brasil e então com um flechada certeira centraliza o foco de sua atenção no Direito Indígena com uma visão jurídica da cultura indígena e o que diz a legislação vigente e as várias Constituições Brasileiras sobre o assunto. Estuda-se igualmente as relações jurídicas quanto às relações de trabalho e se analisa casos concretos de ações judiciais e processos envolvendo índios e membros da sociedade envolvente como os de repercussão nacional de Paulinho Paiakan, acusado de estuprar uma branca e de Galdinho Pataxó, queimado vivo em Brasília.

Temática
Pela visão abrangente, pela profundidade da pesquisa, pela escassez de obras jurídicas sobre a temática indígena, a obra de Jorge Carneiro sem dúvida vai divulgar a temática Krahô e o Tocantins nos meios acadêmicos, mas devido à riqueza advinda de sua experiência pessoal com os integrantes da nação Krahô, o livro irá mais além. Ele deverá tornar referência também para sociólgos, historiadores, psicólogos, pesquisadores, estudantes e leitores interessados em questões indígenas. Longe de ser um trabalho árduo e de leitura difícil, O Índio Krahô, a Terra e o Direito Indígena fascina pela estilo narrativo de um autêntico contador de histórias tocantinenses.

Convívio
É assim que na apresentação da obra para a banca examinadora o mestre justifica a sua escolha pelo tema e de maneira sutil, mas inteligente, mostra para seus examinadores de onde veio e que conhece, através de vivência pessoal, o assunto sobre o qual está dissertando. Diz ele: "A 28 km da cidade de Itacajá, Tocantins, e aproximadamente a 6 km de uma das aldeias dos Krahô, na fazenda Bezerros, eu nasci e, desde criança, tive convivência com as lutas e dificuldades desse povo indígena. Não raro encontrava-os debaixo dos mangueirais de Itacajá a comercializarem seus artesanatos, que, em sua maioria, eram feitos de palha e madeira, como colares de sementes de árvores, cocos, cocás, arcos e flechas, esteiras, burdunas, entre outros."

Como quem não quer nada, tomando a convivência como ponto de partida, o causídico estica o fio da narrativa para até o ponto onde se situam os Krahô, traçando um paralelo entre esses dois mundos tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes que são a vida de uma comunidade indígena e a da sociedade envolvente: "Do outro lado do Rio Manoel Alves Grande e dos dois lados do Rio Manoel Alves Pequeno, constantemente nascia mais um integrante do povo Krahô e, assim, como toda criança, tinha seu sonho e personalidade. Por ter nascido nas proximidades dessa comunidade indígena, convivi mais de uma década diretamente com esse povo, tendo com eles jogado bola e estudado no mesmo colégio, inclusive na mesma sala de aula. Embora fossem mundos tão próximos, eram, ao mesmo tempo, bem distintos, com costumes culturais visíveis e notáveis. Daí nasceu meu fascínio em querer entender, compreender e explicar tantas desigualdades intocáveis, mas visíveis e percebíveis, entre a nossa sociedade nacional e a sociedade tribal, que compartilham o mesmo território."

Aulas
Com a atenção da banca examinadora plugada na realidade dos dois Manoel Alves, o advogado, mestre e escritor conduz os examinadores e futuros leitores para dentro do universo educacional do povo Krahô: "Havia na Kraolândia um velho cacique de nome Joaquim Papamel. Era o maior sábio das tribos em assuntos selvagens. Diariamente reunia-se com a criançada e a mocidade no pátio das aldeias para dar aulas. Uns se sentavam, outros deitavam, de frente, de lado e de costa para o mestre, pouco importava a posição, porém com a autoridade que lhe era peculiar, falava, gesticulava e ninguém lhe perturbava ou faltava com a atenção ou respeito. O professor ensinava história das tribos, sua emigração do litoral para o interior, penetração dos brancos, a vinda dos homens pretos, lutas entre tribos, suas terras, direção das grandes cidades, os grandes rios, ensinando a língua da aldeia e da sociedade nacional etc, passando assim a cultura e a tradição do povo Krahô aos mais jovens."

Origem e chegada ao Porto do Vau
Goiânia-Correspondente - Muitos tocantinenses sabem que os Krahô vivem em Itacajá. Mas, quase ninguém sabe de onde vieram e porque aportaram nessa região. O trabalho de Jorge Carneiro, dentre outras coisas, lança luzes sobre a origem desse povo. Diz ele: "Itacajá, no final do século XIX e início do século XX, quando se chamava Porto do Vau, ou somente Vau, ainda não emancipado politicamente, pertencia a Pedro Afonso. O padre Frei Rafael de Taggia, em suas andanças, nas proximidades da Serra das Cordilheiras e Morro Perdido, às margens da, hoje, BR-153, encontrou um pequeno grupo dos índios Krahô, que estavam abandonados, acabando-se em febre e fome.

Esses índios, do início para meados do século XIX, emigraram das margens do rio Farinha, Município de Carolina (MA), devido a graves desavenças com fazendeiros criadores de gado, alojaram-se no Porto do Vau. Frei Rafael de Taggia, comovido com a situação, os convidou para irem para Pedro Afonso. Assim eles fizeram, após acomodação às margens do Rio Sono e Tocantins."

A dissertação mostra que, nesse local, eles acabaram se confrontando com fazendeiros e Frei Rafael de Taggia os levou para uma região menos habitada onde hoje se situa a cidade de Recursolândia. Todavia, decorrido mais algum tempo houve choque entre os índios e o fazendeiro José Caetano. Como resultado da desavença, o fazendeiro assassinou alguns índios, não foi punido pelo crime, e estes abandonaram o local.

Defensor
Os Krahô foram parar a 80 km, na Fazenda Ventura, do fazendeiro Agostinho Soares, que por uma dessas coincidências do destino, também tinha aportado nas terras do Vau vindo da região do Rio Farinha, em Carolina (MA), mesmo ponto de partida desse grupo indígena. O ponto de convergência entre os dois grupos oriundos de Carolina é assim descrito na dissertação de Jorge Carneiro: "Ao ser avisado pelos vaqueiros da existência de índios em suas terras, Agostinho Soares determinou que se juntassem todos eles, que não eram muitos. Após os contatos iniciais, estando todos reunidos, aquele fazendeiro, incrivelmente, revelou-se um grande defensor dos índios, determinando que fossem respeitadas a vontade, o costume e a cultura indígena. Permitiu que eles se alojassem em suas terras, que eram muitas. Além da caçada realizada, Agostinho Soares dava-lhes algumas reses para complemento alimentar, pois esses índios até ajudavam a avigiar o gado. Foram ali vividos alguns anos de harmonia pacífica, pois os índios, de certa forma, ajudavam a vigiar as terras e o gado. O resultado foi o aumento da população indígena em grande e alta escala."

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