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Tesouro vivo

Isto E, Ciencia, Tecnologia & Meio Ambiente, p.92-95
06 de Out de 2004

Tesouro vivo
Patrimônio da humanidade, a Mata Atlântica abriga uma das maiores concentrações de plantas e animais do planeta
Cláudia Pinho
Reza a lenda que Curupira, uma estranha criatura que habita as matas brasileiras e possui os pés virados para trás, é implacável com quem maltrata os animais. Sem dó nem piedade, ele literalmente vira do avesso quem perturba a natureza. No que depender do empenho e da iniciativa de pesquisadores e ambientalistas, espera-se que daqui para a frente o pitoresco defensor das florestas tenha menos trabalho. Pelo menos na Mata Atlântica. Poucos lugares no planeta reúnem tão grande número de espécies exclusivas de plantas e animais. Um dos primeiros a escrever sobre a região foi o padre José de Anchieta. Em carta a seus superiores, por volta de 1560, ele retratou algumas das jóias da coroa. Agora, para mobilizar e sensibilizar os brasileiros para a conservação da mata, acabam de sair do forno dois livros sobre a floresta que já ocupou uma área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados.
O livro Animais da Mata Atlântica (Ed. Empresa das Artes, R$ 70, 188 págs.) mostra quem são e como vivem os animais que habitam o bioma declarado Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco). O difícil foi selecionar o elenco a retratar, já que ali vivem cerca de 1.800 espécies só de vertebrados terrestres.
No livro há fotos e informações de 37 mamíferos, 35 aves, 25 répteis, 32 anfíbios, 15 peixes, 23 insetos e 24 outros invertebrados, entre eles aranhas e escorpiões. Usamos o endemismo e a ameaça de extinção como critérios de escolha”, explica a bióloga Sandra Steinmetz, diretora da empresa Ambiental Consulting, patrocinadora da edição.
A obra conta a história da Mata Atlântica, sua ocupação, lendas e mitos, além dos primeiros registros da zoologia do Brasil. O brasileiro precisa se orgulhar do que tem. As crianças conhecem mais os animais africanos do que os daqui”, reclama Sandra. Para isso, ela reuniu mais de dez especialistas para fazer uma radiografia de cada espécie apresentada no livro. O resultado é uma edição cuidadosa que prima pelo ineditismo de unir numa mesma coleção todas as classes de animais, inclusive peixes. A idéia é ampliar o projeto a ponto de editar um livro para cada bioma nacional, da Amazônia ao Pantanal.
Já o livro Muriqui, uma jornada fotográfica pelas florestas do maior macaco das Américas, de Luciano Candisani (DBA Editora, R$ 70, 144 págs.) se dedica a explorar os aspectos mais curiosos de uma das espécies-símbolo da conservação. O animal, que já habitou vastas áreas da Mata Atlântica, hoje está ameaçado de extinção e vive em pequenas áreas remanescentes de floresta. O nome desse macaco, que em tupi significa povo tranquilo”, expressa sua característica principal: a cordialidade. É comum ver os adultos se abraçando entre um pulo e outro nos galhos das árvores. Eles raramente brigam ou são violentos.
Entre as curiosidades mostradas com belíssimas fotos está o fato de os muriquis soltarem sons estridentes, como relinchos, para anunciar aos companheiros que encontraram uma árvore cheia de frutas. Ou, ainda, que depois de se alimentar, os muriquis costumam fazer uma sesta. Já os seus filhotes, assim como as crianças, gostam de se divertir e suas brincadeiras têm papel fundamental no desenvolvimento motor e social. Com riqueza de imagens, os dois livros recém-lançados mostram que talvez esteja na hora de os seres humanos se espelharem no comportamento conciliador de seus ancestrais para garantir a preservação de sua própria espécie.

Riqueza Única
Hoje restam 7,3% da floresta que se espalhava por 17 Estados, onde vivem 100 milhões de brasileiros
261 espécies de mamíferos (73 endêmicas*)
620 espécies de aves (181 endêmicas)
140 espécies de répteis (70 endêmicas)
280 espécies de anfíbios (253 endêmicas)
2,2 mil espécies de borboletas (950 endêmicas)
Metade das árvores não se pode achar em outro lugar do mundo
Sete em cada dez orquídeas e bromélias só são achadas ali
* Endemismo é o fenômeno no qual uma espécie ocorre exclusivamente em determinada região geográfica
Fonte: Animais da Mata Atlântica

1 - Preguiça-de-Coleira (Bradypus torquatus)
Também chamada de preguiça-preta, está ameaçada de extinção pelo desmatamento nos Estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Sergipe. Seu nome vem da forma lenta como o animal se move no topo das árvores, uma estratégia para poupar energia, já que sua dieta à base de folhas tem poucas calorias
2 - Sapo-Boi (Ceratophrys aurita)
Encontrado entre Minas Gerais e Rio Grande do Sul, vive no chão e escondido, à espreita de grandes insetos, aranhas e sapos menores. Ameaçado de extinção, ele infla os pulmões, se ergue nas quatro patas e solta um grito parecido com o de gatas no cio. Morde quando se sente em perigo
3 - Lagarto (Diplogossus fasclatus)
Habitante das matas da Bahia a Santa Catarina o lagarto terrestre pode agir como uma cobra quando em perigo. Para fugir e se locomover rapidamente, ele comprime os membros contra o corpo. Quando tocado, se retorce inteiro e pode morder
4 – Perereca-de-Vidro (Hyalinobatrachium (uranoscopum)
Ameaçada de extinção, essa perereca noturna vive à beira de riachos e cachoeiras entre Minas Gerais e Santa Catarina. Recebeu esse nome por causa da transparência do corpo, que deixa à mostra seus órgãos internos como o coração e o pulmão
5 – Beija-Flor-Grande-do-Mato (Ramphodon naevius)
Solitário e de hábitos diurnos, ele é encontrado nas matas que vão do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. É considerada a espécie mais importante na polinização das bromélias. Só na Estação Ecológica da Juréia-Itatins, ele espalha quase a metade do pólen das plantas
6 – Besouro Rinoceronte (Megasoma gyas gyas)
Raro e endêmico, o besouro ameaçado de extinção é um dos maiores do Brasil e pode ultrapassar os 10 cm. O adulto de hábito solitário e noturno se alimenta de frutos fermentados. Já as larvas comem madeira em decomposição e levam dois anos para se desenvolver por completo
7 - Muriqui (Brachyteles arachnoides)
Maior primata das Américas, eles têm um metro e meio de comprimento. Também conhecidos como mono-carvoeiros por causa da cara escura, são sociáveis e pacíficos. Têm mãos, pés e caudas adaptados para pular de galho em galho, são carinhosos e costumam esticar o corpo e fazer pontes para ajudar os filhotes
8 – Borboleta-Diáfana (Haetera piara diaphana)
Endêmica da Mata Atlântica na Bahia e no Espírito Santo, a espécie voa rente ao solo, tornando-se quase invisível. Solitárias e diurnas, as fêmeas são maiores e pálidas. Adultas, comem frutos fermentados e resinas expelidas pelas plantas. As largas preferem as plantas
9 - Tiê Sangue (Ramphocelus bresilius)
De asas pretas e cor vermelho forte, os machos vivem em bandos, formados por três ou quatro fêmeas, nas florestas de restinga da Paraíba a Santa Catarina. De hábitos diurnos, alimentam-se em, grande parte, de frutos
10 – Gongolo-Gigante (Rhinocricus padbergl)
Ameaçado de extinção, ele tem um par de glândulas que produz um líquido capaz de causar irritações na pele. Alimenta-se dê matéria em decomposição e de tecidos vivos de bananeiras. Costuma se enrolar para proteger pernas e ventre, suas partes mais vulneráveis
11 – Saúva-Preta (Atta robusta)
Também em risco de extinção, essas formigas vivem nas restingas do Espírito Santo e Rio de Janeiro. Cortam folhas e flores para se alimentar. Seus ninhos são montes de terra fofa com pequenos orifícios, por onde vigiam o formigueiro. Há uma rainha por ninho e os machos são menores do que as fêmeas
12 – Mariposa-Espelho (Rothschildia aurota)
Noctívaga e solitária, ela circula pelo topo e pelos troncos das árvores. As folhas de mandioca e de mamona são os alimentos preferidos das larvas, Adulta, ela não se alimenta e produz um casulo esverdeado que pode ser usado na produção de seda
13 – Tesoura-de-Fronte-Violeta (Thaluranla glaucopls)
Como na maioria das aves, os machos dessa espécie de beija-flor são mais coloridos e vistosos do que as fêmeas. São verdes com cabeça azul brilhante, comem néctar e pequenos artrópodes e são encontrados das matas da Bahia ao Rio Grande do Sul, e do Sul de Goiás ao leste do Mato Grosso do Sul
14 – Gambazinho (Marmosops incanus)
Ele circula entre a Bahia e São Paulo, tem hábitos noturnos e ciclo de vida curto, de cerca de um ano. Após a procriação, entre setembro e dezembro, os machos adultos morrem. As fêmeas vivem até maio. Assim como o canguru, ele é um marsupial e carrega o filhote numa bolsa abdominal

Isto É, 06/10/2004, p. 92-95

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