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Território sem lei

Correio Braziliense-Brasília-DF
Autor: Bernardino Furtado
16 de Set de 2003

Relatório entregue ao procurador-geral da República em agosto denuncia ação de grupos criminosos no Pará e sugere o envio de uma força-tarefa para a região onde oito trabalhadores rurais foram mortos na sexta-feira

Fonteles recebeu o documento com o pedido para que o Ministério Público e o governo federal realizassem operações em São Félix do Xingu e Altamira

Em meados de agosto, o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, recebeu um relatório que descreve a chamada Terra do Meio, entre os rios Iriri e Xingu, no Pará, como área dominada pelo crime organizado. Assinado pelos procuradores Mário Lúcio de Avelar, que entregou pessoalmente o documento a Fonteles, e Emerson Kalif Siqueira, o documento sugere a criação de uma força-tarefa permanente, integrada pelo Ministério Público Federal e governo federal para realizar operações sistemáticas na região, que abrange parte dos municípios de São Félix do Xingu e Altamira.

Na avaliação dos procuradores, grupos criminosos, que começaram a agir na Terra do Meio no fim da década de 80 na extração ilegal de mogno em terras indígenas, passaram a financiar a grilagem de terras públicas. Apropriam-se de terras indígenas ou devolutas, de propriedade da União e do estado. Desmatam e vendem ilegalmente a madeira, submetem peões a condições análogas ao trabalho escravo e empregam grupos de pistoleiros para intimidar os empregados ou para expulsar posseiros que encontram nas terras que pretendem invadir.

O emprego de armamento pesado pelos pistoleiros e a constatação de que traficantes do porte de Leonardo Dias Mendonça e Wilson Moreira Torres compraram fazendas na região são indícios, na avaliação dos procuradores, de ligação entre a máfia local e o narcotráfico.

Avelar disse que nunca poderia prever um massacre com as proporções do ocorrido na última sexta-feira em São Félix do Xingu. Na avaliação do procurador, a tragédia, no entanto, mostra que o relatório não exagerou no diagnóstico. ''É uma terra-sem-lei, dominada por criminosos que se fiam na impunidade para destruir a floresta, roubar, matar e corromper funcionários públicos'', afirmou ontem Avelar.

O relatório foi resultado de operação contra o trabalho escravo, realizada entre 18 e 22 de julho deste ano, em São Félix do Xingu e Altamira. Participaram, além dos dois procuradores, o Ministério do Trabalho, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Polícia Federal.

Sigilo
A operação flagrou desmatamento ilegal e trabalho escravo. Os procuradores tomaram depoimentos de dezenas de moradores, entre lavradores, líderes religiosos, sindicalistas e parentes de pessoas assassinadas, que relataram as ações do crime organizado na região e apontaram nomes de políticos, madeireiros, pistoleiros e funcionários públicos envolvidos. Os nomes dos autores dos depoimentos estão sendo mantidos em sigilo por razão de segurança.

Embora sejam relatos de pessoas simples, recheados de apelidos e sem datas precisas, os depoimentos formam um conjunto coerente. Além disso, várias das pessoas acusadas têm longo prontuário policial e pedidos de prisão preventiva no Pará e em outros estados. São os casos dos madeireiros João Cleber de Sousa Torres, Pedro Pereira da Silva e do fazendeiro Aldimir Lima Nunes. Os depoimentos citam também os madeireiros Moisés Carvalho Pereira, Antônio Lucena Barros e Osmar Alves Ferreira, que atuam em outros municípios do Pará e passaram recentemente a extrair madeira na área da reserva Apiterewa.

Aldimir Lima Nunes, por exemplo, denunciado por manter trabalho escravo em suas fazendas Saco Verde, no município de Ananás (TO), e Lagoa das Vacas, em Altamira (PA), saiu do Ceará, o estado natal, foragido da Justiça. Respondia a ações penais por roubo e homicídio e teve prisão preventiva decretada. Em Ananás, responde a oito processos por homicídios e outros crimes. A partir de dezembro do ano passado, depois da operação do MPF e Polícia Federal em sua fazenda no Tocantins, Nunes passou a mandar recados ameaçadores para Mário Lúcio de Alvelar e para o coordenador da Comissão Pastoral da Terra em Ananás, frei Xaveir Plassant.

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