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Terras indígenas e unidades de conservação: debate centrado em conflitos não tem futuro

ISA
Autor: Nurit Bensusan e Marco Antonio Gonçalves
11 de Dez de 2000

A sobreposição entre terras indígenas e unidades de conservação materializa espacialmente um conjunto de outras sobreposições, associadas aos históricos equívocos que vêm marcando este tema.

Ao sancionar a lei no 9.985, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) no último dia 18 de julho, a presidência da República reinstalou a discussão sobre o destino das sobreposições existentes entre unidades de conservação (UCs) e terras indígenas. A necessidade de solucionar este impasse crônico está posta pelo artigo 57 da lei recém-criada, que determina que "os órgãos federais responsáveis pela execução das políticas ambiental e indigenista deverão instituir grupos de trabalho para, no prazo de cento e oitenta dias a partir da vigência desta lei, propor as diretrizes a serem adotadas com vistas à regularização das eventuais superposições entre áreas indígenas e unidades de conservação".

Para dar efetividade a esta determinação, os ministros da Justiça, José Gregori, e do Meio Ambiente, Sarney Filho, editaram, em 8 de novembro passado, a Portaria Interministerial no 261, criando grupo de trabalho composto por representantes das duas pastas, do Ibama e da Funai e ainda representantes da quarta e da sexta câmaras do Ministério Público Federal, responsáveis respectivamente pelas áreas de meio ambiente e povos indígenas. A criação do GT interministerial ensejou a convocação, pelo ministro Sarney Filho, de uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para tratar do assunto.

Embora esta reunião tenha sido pródiga em declarações apaziguadoras, o fato é que preservacionistas continuam não admitindo a hipótese de reconhecer direitos de povos indígenas sobre áreas decretadas como UCs no passado. Tampouco indigenistas e representantes de organizações indígenas aceitam que a decretação de uma UC restrinja o usufruto exclusivo sobre as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas, conforme disposto no artigo 231 da Constituição federal. Diante da dificuldade para conciliar as duas posições, o ministro Sarney Filho, presidente do Conama, optou por criar um grupo de trabalho composto por representantes de entidades ambientalistas, indigenistas e organizações indígenas. Este grupo, que vem se reunindo semanalmente, pretende apresentar ao GT Interministerial propostas para a solução dos impasses existentes.

Uma nova abordagem para o tema

As terras indígenas, seja por sua dimensão - 12% da extensão total do território nacional e 21% da extensão total da Amazônia Legal brasileira -, pela variedade ou singularidade dos ecossistemas que abrigam, ou pela situação de relativa preservação dos seus recursos naturais, devem ser consideradas como componente fundamental para uma estratégia nacional de conservação e uso sustentável da biodiversidade. A conservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais são, além disso, fundamentais para os projetos de futuro dos povos indígenas no Brasil.

Por outro lado, o país abriga 195 unidades de conservação federais que abarcam 4,67% de seu território. Essas unidades são importantes para a conservação da biodiversidade brasileira, compondo parte de uma estratégia para a proteção da integridade de nossos ecossistemas e paisagens. Em alguns lugares do país, entretanto, há casos de unidades de conservação sobrepostas a terras indígenas. Esse fenômeno é, na realidade, uma profusão de sobreposições.

Desde 1996 , o Instituto Socioambiental (ISA) vem defendendo que este debate seja tratado de forma ampla, evitando abordá-lo por meio das áreas conflituosas. Convicto de que a proteção e o uso sustentável dos recursos naturais presentes em terras indígenas possuem relevância estratégica tanto para o futuro dos povos indígenas quanto para a conservação da biodiversidade brasileira, o ISA apresentou aos atores envolvidos neste debate duas propostas que objetivam compatibilizar proteção dos recursos naturais com o usufruto indígena.

A primeira delas se refere à instituição de um "Programa de proteção à biodiversidade e de apoio ao uso sustentável de recursos naturais em terras indígenas", cujo termo de referência foi encaminhado à Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. Incidente sobre terras indígenas, tal programa teria como pressupostos apoiar projetos de pesquisa científica em parceria com os índios, executar um etno-zoneamento nas áreas, criar reservas de recursos naturais, recuperar áreas degradadas e implementar soluções negociadas para os casos de sobreposição de terras indígenas e unidades de conservação.

A segunda proposta apresentada pelo ISA, chamada Reserva Indígena de Recursos Naturais (RIRN), consiste na criação, por iniciativa dos índios, de reservas de proteção dos recursos naturais dentro de terras indígenas. Estas reservas poderiam ser criadas naqueles casos em que estudos realizados por um grupo de trabalho interinstitucional (comunidade indígena, órgãos indigenista e ambiental e outras instituições, públicas ou privadas, com reconhecida atuação na área) concluísse ser incompatível a coexistência da unidade de conservação e da terra indígena sobre a qual incide. A área de sobreposição seria, então, reclassificada como RIRN, passando a ser gerida pelas próprias comunidades indígenas, sob plano de manejo sustentável, com o apoio dos órgãos federais competentes, se assim desejado pela comunidade.

A proposta da RIRN havia sido apresentada no âmbito das discussões do SNUC na Câmara dos Deputados, chegando a fazer parte de uma das proposta do relator do projeto, deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). No entanto, acabou preterida por conta da oposição de setores governamentais e não-governamentais envolvidos na discussão.

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