VOLTAR

Terra arrasada a vista

OESP, Vida, p.A18
02 de Nov de 2004

Terra arrasada à vista
Marcos Sá Corrêa
Em primeiro lugar, a má notícia, nem que seja para tirá-la da frente o mais depressa possível: o Brasil está batendo este ano, com 30 mil quilômetros quadrados de novas clareiras na Amazônia, seu próprio recorde mundial de velocidade em desmatamento. A marca histórica pertencia ao governo Fernando Henrique Cardoso, que alcançou em 1995 a taxa de 25 mil quilômetros quadrados. Dali para a frente, com o susto, a conquista perdeu fôlego. Dois anos atrás, o País foi entregue ao presidente Lula com o índice anual de 23 mil quilômetros quadrados.
Agora furou o teto em 7 mil quilômetros quadrados. Foi um salto e tanto que, apesar do tamanho, aterrissou silenciosamente em Brasília há uma semana. Ainda não é oficial. Será, sem dúvida, daqui a três ou quatro meses, quando os relatórios extraídos do Landsat pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ratificarem o índice do Modis, um sistema em tempo real de monitoramento por satélite das queimadas na Amazônia, que entrou em serviço este ano. O plantão orbital do Modis era para impedir que os incêndios florestais, flagrados lá de cima ao primeiro sinal de fogo, saíssem de controle aqui em baixo. Por falta de bombeiros em terra, serviu antes de mais nada, nesta temporada de estréia, para fechar as contas de 2004 assim que voltaram as chuvas.
Quem não sabe muito bem o que 30 mil quilômetros quadrados querem dizer - ou seja, quase todo mundo - pode tirar as dúvidas só com uma olhada no mapa do Brasil. Eles valem aproximadamente um Sergipe inteiro. Por essa tabela de conversão, sumia um Sergipe por ano na região. Com o número de 2004, a unidade de desvalorização ambiental passa a ser o Estado de Alagoas. A Amazônia acaba de perder uma Alagoas. É como se um meteorito descomunal tivesse entrado na órbita da ministra Marina Silva.
Enquanto ele não cai, vamos de uma vez à boa notícia. No ano que vem, o desmatamento perderá a exclusividade no placar que a velha luta da civilização brasileira com a floresta amazônica. Como unidade de desvalorização ambiental, ele é dramático, mas tosco. Supõe que, onde as árvores ainda cobrem o chão, começa a mata virgem. Vem aí coisa muito melhor. Um balanço geral dos impactos ambientais, juntando incêndios e derrubadas com outras pegadas do povoamento, como estradas, assentamentos rurais e até roçados em terras indígenas. Trará a assinatura do Imazon, de Belém, que é um centro imparcial e sensato de estudos sobre as relações do homem com a natureza na Amazônia.
O primeiro relatório ainda está em gestação e já debutou na imprensa, dias atrás, anunciando a descoberta de sinais da presença humana em 47% da floresta amazônica. E era só a ultra-sonografia. O retrato de corpo inteiro virá com relatório completo. E tudo indica que nascerá mais feio do que o próprio Imazon esperava. Fará a fronteira da selva intacta recuar para cerca de 15% da região. Estenderá a rede local de "estradas endógenas" - quer dizer, abertas por madeireiras e garimpeiros sem o dedo do poder público - para cerca de 90 mil quilômetros. E erguerá um patamar de observação de onde, pela primeira vez, o esgotamento da floresta inesgotável ficará à vista dos brasileiros. É esta a boa notícia. Porque a Amazônia anda precisando com urgência de más notícias como esta.
Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)
OESP, 02/12/2004, p. A18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.