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Terena quer acompanhamento indígena para grandes projetos

O Liberal-Belém-PA
03 de Set de 2001

O líder indígena Marcos Terena, coordenador geral de defesa dos direitos dos índios no Brasil, propôs no último final de semana em Belém, onde participou de um seminário sobre as hidrovias na Amazônia, a criação de um comitê indígena de acompanhamento das obras de implantação dos grandes corredores hidroviários na região. A participação desse comitê será particularmente importante, conforme frisou, nos debates e futuras tomadas de decisões acerca da hidrovia do Araguaia/Tocantins.
Marcos Terena, de 46 anos, nasceu na aldeia de Taunay, no Pantanal Matogrossense, fez seus estudos em Campo Grande, hoje capital de Mato Grosso do Sul, e depois realizou o curso de pilotagem na Aeronáutica. Piloto da Funai há vinte anos, ele é talvez o líder mais influente da comunidade indígena brasileira e tem grande prestígio também no exterior. Já esteve em 32 países e fala cinco idiomas - além do português e da lingua terena, tem perfeito domínio também do inglês, francês e espanhol. Foi ele o criador do Movimento Indígena do Brasil, em 1977, e desde então tem sido uma presença constante em importantes eventos internacionais, inclusive conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Conhecido por sua postura crítica em relação à política indigenista brasileira, Marcos Terena considera um erro grave o tratamento paternalista e assistencialista que os índios continuam recebendo até hoje. Sob a jjustificativa de proteger as comunidades indígenas, essa política paternalista acabou por anular o seu potencial de desenvolvimento social e econômico, disse Terena, acrescentando que o índio não pode ser tratado como um eterno dependente.
Por isso, na sua opinião, o comitê indígena pretende dialogar diretamente com o governo federal, com os governos estaduais e com o empresariado, sem a presença de intermediários, todos os grandes projetos que vierem a ser implantados na Amazônia. Nós queremos discutir também com os grandes financiadores, nacionais ou internacionais, desses empreendimentos, disse ele, acrescentando que o objetivo dessa proposta é iniciar a integração econômica, social e cultural dos índios à realidade da Amazônia e do país. Os governos, os empresários e a sociedade não podem simplesmente fechar os olhos para essa questão, porque a relação do índio com o capital, na forma como acontece hoje, acaba sendo muito cruel, advertiu.
Principal mentor e organizador da conferência indígena realizada em 1984 na cidade de Altamira, para discutir o projeto de implantação da antiga hidrelétrica de Kararaô, no rio Xingu - que hoje, com nova concepção técnica, tem o nome de Belo Monte -, Marcos Terena cita exemplos concretos de alguns graves equívocos cometidos no encaminhamento das questões ambientais e de defesa das comunidades indígenas. Quando se fala em preservação do meio ambiente, por exemplo, ele considera que o primeiro grande erro é excluir dos debates as condições de sobrevivência do homem, seja ele índio, ribeirinho ou agricultor.
Especificamente em relação aos índios, Marcos Terena cita o caso dos Parakanã, remanejados de suas terras na época da construção da hidrelétrica de Tucuruí. Eles não perderam apenas a terra. Foram privados também toda referência cultural que tinham; ou seja, perderam a sua cosmovisão, afirmou. Outro exemplo por ele citado é o da aldeia dos Gavião, na região de Marabá. Para permitir a passagem da ferrovia de Carajás por suas terras, os índios firmaram, com a Companhia Vale do Rio Doce, um acordo pelo qual a empresa se comprometeu a lhes pagar uma importância mensal a título de indenização.
Essa solução, segundo ele, se revelou prejudicial, porque o dinheiro recebido todo mês passou a ser utilizado pelos índios como uma espécie aposentadoria precoce. Ou seja, tendo em casa freezer ou geladeira, o índio se abastece de carnes, por exemplo, e com isso deixa de se preocupar com os antigos meios de sobrevivência, como a caça, a pesca e a agricultura. Entregue à ociosidade, acaba também, em contato com os brancos nas cidades próximas, alterando sua antiga forma de vida e até adquirindo hábitos nocivos, como o vício da bebida. O choque cultural bloqueia ainda, o que é mais grave, a formação das novas gerações, advertiu.
Ao invés de tratar o índio como um ser incapaz e preguiçoso, no seu entender, o governo deveria incentivar a sua plena integração econômica, tornando-o um participante ativo de todo o processo. Mas não é isso o que acontece. Na escala social brasileira, o índio continua sendo até hoje a classe mais pobre, disse Marcos Terena.
No seu entender, o índio não pode se colocar também na condição de obstáculo à modernidade. Nós não podemos simplesmente dizer que não pode fazer uma hidrovia, quando o país precisa dela, ou construir uma hidrelétrica, quando o Brasil enfrenta uma grave crise no setor. O que deve ser feito é um plano estratégico que garanta às comunidades indígenas o usufruto racional dos bens que a terra proporciona, inclusive os minérios, a flora e os recursos da biodiversidade, finalizou..

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