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Tentativas de intimidação não atrapalham festa da homologação na TI Raposa-Serra do Sol

ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
27 de Set de 2005

Apesar das ações violentas promovidas por grupos contrários à homologação da Terra Indígena, que chegaram a destruir uma escola e a queimar a ponte que dá acesso à região, a festa ocorre em clima de muita alegria, com a presença de autoridades, indígenas e organizações indigenistas. Durante a comemoração, comunidade inaugurou monumento construído por artista Macuxi.

Mais de três mil pessoas, entre autoridades, indígenas e representantes de organizações indigenistas, já marcaram presença na festa pela homologação da Terra Indígena (TI) Raposa-Serra do Sol, em Roraima, apesar do incêndio que destruiu parcialmente a ponte que dá acesso à aldeia Maturuca, centro principal dos festejos (confira). Ocorrido na madrugada do último dia 22 de setembro, o incêndio não chegou a impedir, mas dificultou e tornou mais lento o trânsito dos participantes do evento. O Ministério da Justiça proibiu a entrada de novos convidados na área por algumas horas por motivo de segurança. A comemoração começou no último dia 21 e segue até 30 de setembro, alcançando também as aldeias de Cantagalo e Bismarck.

Na madrugada do dia 16, o Centro de Formação e Cultura Raposa-Serra do Sol, antiga Missão Surumu, na comunidade do Barro, já havia sido invadido e destruído. Igreja, hospital, refeitório, dormitórios, salas de aula, cantina, um carro e uma ambulância, entre outros, foram queimados ou depredados por cerca de cem homens encapuzados e pintados, armados de facões, espingardas e cacetetes (saiba mais).

A suspeita é de que as ações criminosas sejam tentativas de intimidação por parte de indígenas chefiados por fazendeiros e políticos locais contrários à homologação em área contínua da Terra Indígena (TI), decretada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, em abril deste ano. O grupo quer que alguns trechos de território, especialmente aqueles ocupados por grandes plantações de arroz, sejam excluídos da TI. Nos dias anteriores à festa, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) recebeu ameaças de que sua sede na capital Boa Vista também seria incendiada e a aldeia Maturuca poderia ser invadida. A Polícia Federal (PF) registrou ainda ameaças de seqüestro. Mais de 15 mil indígenas vivem na Raposa-Serra do Sol e a sua imensa maioria é favorável à homologação conforme foi definida pelo governo federal.

O deslocamento dos convidados desde Boa Vista até a aldeia Maturuca foi motivo de preocupação e apreensão para os organizadores das festividades. O comboio de quatro ônibus com convidados teve de passar por regiões comandadas pelos grupos contrários à homologação e de viajar por mais de oito horas, sem proteção policial, atravessando estradas esburacadas e algumas pontes quebradas, para chegar ao evento. Até quarta-feira (21/9), dia em que a ponte foi queimada, a PF manteve no local apenas um pequeno grupo composto por integrantes do serviço de inteligência e de outros agentes que acompanharam os representantes do governo federal.

Só depois é que a PF deslocou 65 policiais para o local, mas apenas para reforçar a segurança das autoridades presentes, entre elas o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, e a subprocuradora da 6o Câmara do Ministério Público Federal (MPF), Deborah Duprat. A esperada presença dos ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, cujas pastas tiveram papel importante no processo de demarcação da TI, não aconteceu. Segundo a PF, sua presença poderia provocar tumultos.

O advogado Raul Silva Telles do Valle, do ISA, esteve na festa e considera que a intenção daqueles que queimaram a ponte era isolar os participantes da comemoração, que teriam que necessariamente passar por ali na volta do evento. Valle conta que, como a estrutura de ferro e madeira ficou apenas parcialmente comprometida, porém, os próprios convidados improvisaram remendos de tábuas e conseguiram fazer com que os veículos pudessem regressar à Boa Vista, não sem certo risco. "Como acontece de praxe no Estado, todos ali sabem quem são os responsáveis pelo crime, mas ninguém havia sido preso ou detido para interrogatório", critica.

Os próprios convidados consertaram a ponte, que dá acesso à aldeia de Maturuca e ficou apenas parcialmente comprometida.

Monumento à homologação e fartura

Durante a festa, além dos animados bailes que invadiam a madrugada embalados pelas bandas de forró locais, ocorreu uma série de homenagens a autoridades públicas, membros da igreja, dirigentes de movimentos sociais, representantes de organizações indigenistas e ambientalistas que auxiliaram na luta de mais de 30 anos pela criação da TI. Mas o ponto alto da comemoração foi a inauguração de um monumento alusivo à conquista da homologação construído pelo artista plástico Bartolomeu Macuxi, com o formato de uma mão segurando o mapa da Raposa-Serra do Sol e ladeado pelas bandeiras do Brasil e da TI. A obra foi apresentada às autoridades presentes e a uma multidão de indígenas.

Monumento foi construído por artista da própria comunidade.

"Na hora, vi uma índia Wapichana emocionada que falava para a filha que carregava no colo: 'aquela é a nossa terra e é nela que vamos crescer'", relata Valle. O advogado conta que o clima de tensão provocado pelos incêndios e atos de vandalismo acabou se dissipando em virtude da recepção calorosa e alegre organizada pela comunidade aos convidados que chegavam de ônibus ou avião. "Dezenas de indígenas da etnia Macuxi, entre jovens e velhos, dançavam e entoavam canções tradicionais para desejar as boas-vindas aos que chegavam de fora, num longo cortejo que acabava dentro de uma imensa maloca apelidada de 'homologação', construída quando esta era ainda um sonho distante e uma bandeira de luta".

Clima de tensão acabou ficando em segundo plano.

Mesmo acostumada a sediar as grandes assembléias anuais do CIR, a comunidade da aldeia Maturuca nunca tinha recebido um número tão grande de pessoas. Os moradores prepararam-se por vários meses para as festividades e construíram galpões para acomodar os convidados e indígenas de outras aldeias, plantaram roças e separaram mais de 200 cabeças de gado especialmente para as festividades. Além disso, a praça central da aldeia foi decorada com faixas comemorativas e de agradecimento aos parceiros da luta pela homologação. Um batalhão de mulheres acomodado em uma espécie de cozinha industrial improvisada trabalhou duro ao longo dos festejos para servir três fartas refeições diárias para os mais de três mil participantes do evento.

Raul Silva Telles do Valle avalia que a luta dos povos da Raposa-Serra do Sol deve continuar. "Com a terra demarcada e homologada, os Wapichana, Taurepang, Patamona, Ingarikó e Macuxi agora encaram uma nova etapa, que é a de concretizar modelos de desenvolvimento sustentável para a região. Estes têm de ser capazes de gerar riquezas e bem-estar para a população local, para que os jovens não abandonem a terra e migrem para a periferia das cidades". Valle defende ainda que as comunidades locais não podem repetir os erros cometidos pelos grandes fazendeiros da região, que, por anos, ocuparam suas terras para plantar arroz, soja ou criar gado e que causaram problemas ambientais e exclusão social. "O CIR e as outras organizações indígenas locais necessitam do apoio do governo, da universidade e de organizações não-governamentais para suprir conhecimento técnico e recursos humanos, financeiros e tecnológicos para fazer frente a esse desafio, que não é pequeno".

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